terça-feira, 25 de maio de 2010

A INSTITUIÇÃO DO SENTIDO - A GÉNESE SOCIAL DO SENTIDO

Comecemos com esta frase do Vigoski (que é o autor o qual iremo-nos apoiar para esse módulo) que ao longo dessa explanação irá ganhando sentido nas vossas mentes:

“O homem é uma pessoa social. Um conjunto de relações sociais encarnadas num indivíduo.” [Vigotski]


Sentido do Social

O termo "social" é um dos termos mais frequentemente usados por Vigotski nos seus trabalhos. Ele aparece em diferentes momentos, lugares e contextos. O que não é de se estranhar, pois é o princípio da natureza e origem sociais das funções superiores que constitui a marca da nova concepção de desenvolvimento psicológico.

A história da psicologia mostra, com efeito, que dificuldade ela tem para tratar a questão da dimensão social do indivíduo. Mesmo nesse sector da psicologia geral denominado psicologia social, que dificuldade para definir o que é e o que não é social no comportamento; o que é obra do indivíduo e o que é resultado da acção do meio social. Essa dificuldade se reflecte no carácter vago de conceitos tais como "socialização", "adaptação social", "crise" etc., usados no tratamento teórico da inserção das pessoas no meio social. Se o desenvolvimento é visto como um acontecimento de natureza individual, mesmo admitindo que ocorre em interacção com o meio, a inserção social do indivíduo constitui realmente um problema, pois implica na adaptação das condutas individuais às práticas sociais, consideradas, em tese, fenómenos de natureza diferente. Dessa maneira, a socialização assemelha-se ao fenómeno migratório humano que exige uma adequação das características sociais e culturais do imigrante às condições do novo meio. Vigotski inverte a direcção do vector na relação indivíduo-sociedade. No lugar de nos perguntar como a criança se comporta no meio social, diz ele, devemos perguntar como o meio social age na criança para criar nela as funções superiores de origem e natureza sociais. O desenvolvimento segue não no sentido da socialização mas no da conversão das relações sociais em funções mentais". Isso mostra o mecanismo mediador que explica a conversão do social em pessoal sem tirar ao indivíduo sua singularidade. Esse mecanismo é, portanto, a mediação/intervenção semiótica.


O SOCIAL E O CULTURAL


Num sentido mais amplo, diz Vigotski, "tudo o que é cultural é social", o que faz do social um género e do cultural uma espécie. Isso quer dizer que o campo do social é bem mais vasto que o da cultura, ou seja, que nem tudo o que é social é cultural mas tudo o que é cultural é social.

Enquanto expressão das múltiplas formas que pode tomar a sociabilidade, o social é um fenómeno mais antigo que a cultura pois é um dos atributos de certas formas de vida, o que nos permite falar de uma sociabilidade biológica, natural. Anterior à cultura, o social adquire dentro dela, formas novas de existência. Sob a acção criadora do homem, a sociabilidade biológica adquire formas humanas, tornando-se modos de organização das relações sociais dos homens. Neste sentido, o social é, ao mesmo tempo, condição e resultado do aparecimento da cultura. É condição porque sem essa sociabilidade natural a sociabilidade humana seria historicamente impossível e a emergência da cultura seria impensável. É porém resultado porque as formas humanas de sociabilidade são produções do homem, portanto obras culturais.

A existência no mundo animal de formas variadas de organização social, em certos casos muito próximas das criadas pelos homens, é um facto biológico hoje incontestável. Na lógica do princípio evolutivo, isso faz da sociabilidade animal o substrato da sociabilidade humana, como a natureza é o substrato e a condição de emergência da cultura. A sociabilidade humana não é simplesmente dada pela natureza, mas assumida pelo homem que procura formas variadas de concretizá-la. Estas formas circunscrevem o campo do que entendemos por organização social ou sociedade. O homem cria as suas próprias condições de existência social da mesma forma que cria suas condições de existência material. Por serem obra do homem, estas condições de existência social ou formas de sociabilidade humana, das mais simples das sociedades tribais às mais complexas das sociedades contemporâneas, integram o elenco do que denominamos produções culturais.

A polissemia do termo “Cultura” mistura-se com as concepções diferentes de mundo e de homem que permeiam a história do pensamento humano. Vigotski define a cultura como "um produto, ao mesmo tempo, da vida social e da actividade social do homem". Ao distinguir entre produto da "vida social" e produto da "actividade social", podemos pensar no primeiro caso a cultura entendida como prática social resultante da dinâmica das relações sociais que caracterizam uma determinada sociedade e no segundo caso como produto do trabalho social. Se assim for, para Vigotski a cultura é a totalidade das produções humanas (técnicas, artísticas, científicas, tradições, instituições sociais e práticas sociais). Em síntese, tudo que, em contraposição ao que é dado pela natureza, é obra do homem. Evidentemente, isso não é suficiente para explicar a natureza da cultura que está relacionada com o carácter duplamente instrumental, técnico e simbólico, da actividade humana.


O SOCIAL E O SIMBÓLICO


Vigotski considera também social "um signo ou símbolo independente do organismo, como no caso do instrumento". Dois pontos merecem ser destacados nessa afirmação. Primeiro, a relação que ele estabelece entre o social e o simbólico. Segundo, a condição que ele coloca para atribuir ao simbólico o carácter social.

Quanto ao primeiro ponto, pode-se dizer que, ao equiparar o símbolo ao instrumento técnico, ele quer dizer que o símbolo é uma criação do homem, como o instrumento e, como tal, faz parte da ordem da cultura e não da natureza, tendo assim uma existência independente. Dessa forma aplica-se a ele o carácter social. Quanto ao segundo ponto, cabe a perguntar: se para ser social o símbolo tem de ser "independente", existiria um tipo de signo que dependente? Neste ponto ele está a indicar que existe um tipo de signo dependente, ou seja, de natureza biológica, podemos supor que ele usa o termo signo num sentido genérico que englobaria dois tipos de signos: os naturais e os artificiais (produzidos/estabelecidos pelo homem. A união desses dois sistemas é o que constitui a especificidade do comportamento complexo do homem. Resulta daí que o começo da actividade simbólica desempenha um papel específico de organização, penetrando no processo de uso de instrumentos e dando origem às principais formas novas de conduta. Isso é, a emergência/surgimento da actividade simbólica constitui, tanto na história da espécie quanto na história pessoal de cada indivíduo, o ponto de passagem do plano natural para o plano cultural - planos que na filogénese (história da espécie humana) aparecem separados mas na ontogénese (história pessoal) coincidem e se interpenetram. A função simbólica, como toda função superior ou cultural, tem sua origem numa função natural, leva-o a procurar as raízes genéticas do signo, ou seja, a função natural correspondente.

No caso específico da memória, o autor distingue dois tipos: a natural e a artificial, mostrando já um princípio de diferenciação entre o sinal como expressão da natureza e o signo como expressão cultural. A memória natural está muito próxima da percepção sensível e é o resultado da acção directa dos estímulos externos sobre o organismo. A memória artificial, por sua vez, é muito mais complexa e funciona através de meios (estímulos) criados pelo próprio indivíduo; por exemplo, em certos grupos, um lençol preto na varanda significa que a casa está de luto. Neste caso, entre o estímulo natural e a resposta interpõe-se um estímulo ou meio artificial, que desempenha uma função totalmente nova, diferente de tudo o que foi observado nas formas elementares de conduta, onde a relação natural e directa é inibida pela acção do estímulo artificial, o qual passa a monitorar a resposta do indivíduo. Esse estímulo, diz ele, é carregado para o interior da operação (da memória, ou de qualquer outra função), desempenhando o papel de organizador da resposta. Com ele o indivíduo controla sua própria acção. É a este estímulo que ele chama de "signo", "dando a este termo um sentido, ao mesmo tempo mais amplo e mais preciso que no uso comum”. Funcionalmente, este signo está ainda próximo do instrumento mas já distante do estímulo natural. Poder-se-ia dizer que, nestas primeiras elaborações do conceito de signo, Vigotski está preocupado em mostrar a continuidade/descontinuidade que existe entre o estímulo natural e o cultural criado pelo homem. Enquanto o primeiro traduz a relação imediata e directa do organismo com o meio, o segundo cria entre estes uma relação indirecta e mediada, exactamente como ocorre com o instrumento técnico na relação do homem com a natureza. Na articulação desses dois tipos de estímulo Vigotski teria encontrado a explicação da génese do signo que ele procura.

Vigotski conclui que se a sinalização é a base mais geral das condutas animais e humanas, são os sistemas artificiais de sinalização criados pelo homem, particularmente "a grandiosa sinalização da fala", que dominam a actividade sinalizadora do cérebro. Os sinais naturais agem directamente sobre o cérebro (após serem devidamente processados). Trata-se portanto de sinais naturais comuns aos animais e aos homens. Os sinais artificiais são funcionalmente semelhantes a eles, porém e, aqui, está a diferença, são inventados pelo homem. Como os instrumentos técnicos, eles se interpõem entre o sujeito e o objecto da sua acção; mas, diferentemente deles, agem, não sobre as coisas, mas sobre as pessoas, sobre os outros e sobre si mesmos. Podemos portanto dizer que, na lógica da evolução segundo a qual as formas mais complexas decorrem das formas mais simples que as precederam, os sistemas de sinalização natural constituem a origem e a base natural dos sistemas de signos. Não podemos esquecer que todo signo pressupõe um elemento que é material, da ordem do sensível (som, imagem, impressão química, térmica etc.), que é justamente o que permite servir de sinal de alguma coisa para alguém. Mas, atenção! Embora os sistemas de sinalização sejam um requisito para a explicação da emergência dos sistemas de signos, são estes e não aqueles que possibilitam as formas humanas de comportamento. E ainda: é a compreensão destes que permite compreender aqueles. Por outro lado, se os diversos modos de sinalização que encontramos no mundo animal podem ser explicados pela adaptação de cada espécie às condições concretas do seu meio, para a adaptação humana é essencial, diz Vigotski, "uma mudança activa na natureza do homem" Por quê? – caberia perguntar. "Porque [ela] é a base de toda a história humana", responderia ele. Com efeito, a história humana é a história de uma dupla e simultânea transformação da natureza e do homem. Uma não ocorre sem a outra.

Um belo exemplo disso pode ser tirado da produção artística, actividade que, em princípio, escapa às determinações do modo alienado de produção. Com a ajuda de ferramentas simples, o artista Miguelângelo vai delineando formas esculturais na pedra sem alterar sua natureza; formas que materializam a visão que o artista tem dos sentimentos que teria Moisés ao ver, segundo o relato bíblico, o povo de Israel adorando o "bezerro de ouro" no momento em que Jeová acaba de selar sua aliança com ele. À medida que as formas esculturais se delineiam na pedra, tornam-se o signo desses sentimentos plasmados nela com tanta força artística que quem olha a escultura do Moisés sente-se envolvido por eles como o fora o próprio artista.
Esse exemplo mostra o que hoje sabemos, graças a Peirce, Vigotski e outros, a respeito do signo. Este tem uma estrutura triádica, onde "x" é uma materialidade (as formas esculturais) que está no lugar de outra coisa "y" que ela representa (o personagem bíblico) sob algum aspecto específico "z" (os sentimentos do personagem bíblico interpretados pelo artista). Observe-se que a relação entre x e y é função do terceiro elemento "z", o qual nos permite entender por que o artista escolheu aquelas formas esculturais e não outras, ao mesmo tempo que elas nos informam a respeito de certas características de Moisés, tal como o artista o imaginou. Peirce chama a este elemento de interpretante, ou seja, aquilo que nos permite saber por que e em que "x" pode ser relacionado com "y".

Diferentemente do simples sinal, o signo tem a propriedade de ser reversível, ou seja, a de significar tanto para quem o recebe quanto para quem o emite. A escultura do Moisés não só significa algo para quem a contempla mas também para Miguelângelo, que a produziu. O artista pode "ver-se" na sua obra. A medida em que a produz, torna-se o "outro" que olha e interpreta. O signo opera no campo da consciência, no qual ser autor e espectador constituem atributos de uma mesma pessoa. É por isso que a palavra dirigida ao outro produz efeito também naquele que a pronuncia. No mundo dos sinais não há reversibilidade, pois eles operam em um campo em que ainda não há consciência.

O evento determinante da história humana, da qual faz parte a história do indivíduo é a criação dos mediadores semióticos que operam nas relações dos homens com o mundo físico e social. Instalando-se nos espaços dos sistemas de sinalização natural, estes mediadores os tornam espaços representacionais, de modo que emerge um mundo novo, o mundo simbólico ou da significação.

É a significação que confere ao social sua condição humana, fazendo da sociabilidade animal – expressão de uma organização natural da convivência de indivíduos de uma mesma espécie – uma sociabilidade humana – expressão da maneira como os membros da espécie humana organizam a sua convivência. Isto quer dizer que a convivência humana é regida por leis históricas e não por mecanismos naturais. É aqui que entra o sentido estrito de história a que se refere Vigotski: história da produção pelos homens das suas condições sociais de existência.


O SOCIAL E AS FUNÇÕES SUPERIORES

As funções superiores constituem o terceiro tipo de objectos a que Vigotski atribui carácter social, não só porque elas não emergem das funções biológicas, mas porque sua natureza é social. "Elas são", diz Vigotski, "relações internalizadas de uma ordem social, transferidas à personalidade individual e base da estrutura social da personalidade". Tudo nelas é social: a sua composição, sua estrutura genética e seu modo de funcionar. De tal modo que, mesmo sendo transformadas em processos mentais, permaneçam quase sociais.

Vigotski estabelece uma relação de equivalência, não de identidade, entre as relações sociais enquanto estruturas da sociedade e as relações sociais enquanto estrutura social da personalidade. É uma diferença não de natureza mas de modo de operar segundo se trate de relações da pessoa no mundo público, interpessoal, ou no mundo privado, pessoal. Esta é uma questão fundamental na concepção de desenvolvimento cultural proposta por Vigotski.

O social é uma categoria geral que se aplica a um conjunto de fenómenos que, tanto no mundo animal quanto no mundo humano, envolvem diferentes formas de organização dos indivíduos. Segundo, tanto no mundo animal quanto no mundo humano, o social é um "valor agregado" ao biológico, qualquer que seja a maneira como ele emerge. Isso quer dizer que, se o biológico constitui a base de toda forma de sociabilidade, não constitui porém causa suficiente para a sua emergência, relacionada às diferentes formas de adaptação de determinadas espécies de organismos às condições de existência nos seus respectivos meios ecológicos – formas de adaptação que evoluem em função das mudanças que ocorrem nessas condições de existência. Terceiro, o social ao qual Vigotski se refere especificamente é o social humano, cuja emergência, com maior razão que a das formas animais de sociabilidade, tem de ser explicada por princípios outros e não os meramente naturais ou biológicos. As formas humanas de organização social, em que a sociabilidade natural se concretiza, são obra do homem e, como tal, obedecem a leis históricas que determinam as condições concretas de sua produção. É o carácter histórico dessa produção que define o social humano.

Na sua esfera privada, o homem retém as funções da socialização", ou da interacção social. Como pode Vigotski utiliza, indistintamente, diferentes termos para referir-se a mesma coisa: "formas superiores de conduta", "formas mentais", "processos mentais superiores" e "funções mentais superiores". De qualquer maneira, ao conceber o psiquismo como um conjunto de funções e estas como sendo de natureza cultural, Vigotski se distancia tanto das teorias funcionalistas e estruturalistas quanto das concepções biologizantes e mecanicistas.

Se o carácter vago do termo "função", tal como é usado por Vigotski, coloca certas dificuldades conceituais, por outro lado ajuda a conceber o psiquismo como algo dinâmico, que está sempre se (re)fazendo e em perpétuo movimento. Algo que nos faz pensar na criação ininterrupta do velho no novo, do significado dado na mutaação do sentido. Entendido assim, o termo função permite ver as "funções mentais" de que fala Vigotski como um acontecer permanente. Conservando um certo grau de consistência e de continuidade, apresentam-se sempre sob o signo do novo. É claro que a capacidade de pensar, de falar, de registar em memória etc. são funções permanentes da pessoa, mas sujeitas às leis históricas das condições da sua produção: produção da fala, das ideias, das lembranças etc. Essas funções são, portanto, função dessas condições de produção, as quais não permanecem sempre necessariamente as mesmas. O que nós pensamos, o que nós dizemos, o que nós rememoramos depende das condições concretas em que isso ocorre. Se isso não impede que ideias, discursos ou lembranças possam ser reproduzidas no tempo com uma certa persistência, elas têm de ser cada vez (re)pensadas, (re)ditas ou (re)memoradas. Em cada instante algo novo está prestes a emergir. Neste conceito de função, fundem-se, sem se confundirem, o acto de funcionar e o funcionar de uma certa maneira; o acto de produzir e o produto desse acto. Assim, as funções de pensar, de falar, de rememorar concretizam no ato de pensar, de falar ou de rememorar alguma coisa cuja significação pode não ser a mesma em cada instante. Isso quer dizer que o que pensamos, falamos, sentimos, lembramos etc., não é algo que já está pronto, à disposição do indivíduo para o seu uso. Enquanto objectos semióticos, as ideias, as palavras, os sentimentos ou as lembranças têm de ser produzidos. E, mesmo depois de terem sido produzidos, quando já passaram a fazer parte do repertório de experiências registadas em memória, têm de ser "dados à luz" por um novo ato de pensar, falar, sentir, rememorar etc.

Para Vigotski os seres humanos retêm na sua esfera privada das relações sociais são "as funções da socialização", ou, "as funções da interacção", isto é, o que é internalizado das relações sociais são as "funções dessas relações", as quais se tornam "funções superiores do indivíduo".

Se por "interacção social" entendermos a forma concreta que as relações sociais das pessoas tomam, ou seja, as acções e reacções dos envolvidos numa relação, a expressão "funções da interacção social" pode ser entendida, seja como o princípio que rege essas acções e reacções, seja como o efeito que as acções/reacções de cada membro da relação produz nas acções/reacções do outro.

As funções psicológicas são função da significação que as múltiplas relações sociais têm para cada um dos envolvidos nelas, com todas as contradições e conflitos que elas envolvem em determinadas condições sociais. As funções da palavra: primeiro, aparecem desempenhadas por indivíduos diferentes (esfera pública), depois, por uma única e mesma pessoa (esfera privada). Uma ideia à qual Vigotski retorna repetidas vezes: o que, no plano social, é feito por indivíduos diferentes, no plano pessoal é feito pelo mesmo indivíduo. É a ideia do Homo Duplex (que vos falei na aula) à qual me referi anteriormente e que poderia ser interpretada como o facto de o mesmo indivíduo desempenhar a função de "eu" e de "outro" da relação. Uma vez que o indivíduo está envolvido numa ampla rede de relações diferentes, pode-se dizer que ele é uma unidade feita de múltiplas relações em que ocupa múltiplas posições de sujeito de relação. Isto levanta a questão que Vigotski se coloca no "Manuscrito" e que figura como epígrafe deste trabalho: "Que é o homem? O homem é uma pessoa social = um agregado de relações sociais incorporadas num indivíduo".

Vigotski raramente utiliza o termo "sujeito", por isso, a introdução da ideia de "pessoa social" como definidora do homem poderia ser entendida como uma categoria equivalente à de sujeito. A ideia de "pessoa social", no contexto em que ela aparece, é o equivalente de "agregado de relações sociais incorporadas num indivíduo", o que fala mais de multiplicidade que de unidade, como é entendida a ideia de sujeito psicológico. Como vimos anteriormente, o "sujeito da relação" não é o mesmo em todas as relações sociais. A posição que ele ocupa em cada uma delas varia em função do tipo de relação. O que quer dizer que a ideia de "pessoa social" envolve a ideia, ao mesmo tempo, de unidade e de multiplicidade, o que coloca em xeque o conceito tradicional de sujeito psicológico.

Na sequência, Vigotski levanta indirectamente a questão da relação entre a "pessoa" e as "funções superiores" da pessoa, as quais, como já sabemos, são relações sociais internalizadas. A conclusão é que embora as leis que regem as funções superiores sejam as mesmas, a maneira como elas funcionam ou operam varia de pessoa para pessoa. Isso quer dizer que se pensar, falar, sentir, rememorar, sonhar etc., são processos regulados pelas mesmas leis históricas, o que cada pessoa pensa, fala, sente, rememora, sonha etc. é função da sua história social. O que, associado ao que foi dito a respeito das "funções da interacção social", nos conduz a afirmar que o que cada pessoa pensa, fala, sente, rememora, sonha, etc., é função do que o outro das múltiplas relações sociais em que ela está envolvida pensa, fala, sente, rememora, sonha etc. Insistindo em que não são as ideias, as palavras, os sentimentos, as lembranças, sonhos etc., do outro que são internalizados mas a significação que eles têm para o eu, pois a conversão do social em pessoal é um processo semiótico.

A SEMIOSE EM MORRIS E O PRINCÍPIO DA DIVISÃO DA SEMIÓTICA

Cabe a Morris o mérito de ter estabelecido a divisão da Semiótica em Sintáctica/Sintaxe, Semântica e Pragmática, decorrente da análise feita, por ele, do processo semiósico (na sua obra “Fundamentos da Teoria do Signo”, 1959), a partir dos estudos piercianos.

A teoria do signo de Morris é uma teoria de utilização do signo (em que algo funciona como um signo) e, em primeira aproximação, algo que orienta o comportamento. Assim, o processo pelo qual algo funciona como um signo pode ser chamado Semiose e envolve três (ou quatro) factores:

- Veículo Signo (aquilo que actua como um signo);
- Designatum (aquilo a que o signo se refere);
- Interprete/Interpretante (respectivamente, o intelecto, o alguém que interpreta / o efeito sobre o alguém (interpretante) em função do qual a coisa em questão é um signo para o interpretante. O interpretante é “dar-se-conta-de” por parte de um intérprete, pelo que se pode omitir).

Formalmente, teremos que S é um Signo de D para I, na medida em que I se dá conta de D em virtude da presença de S. Assim, a semiose é o processo em que alguém se dá conta de uma coisa mediante uma terceira. Trata-se de um “dar-se-conta-de” mediato (indirecto/através de outra coisa). Os mediadores são os veículos sígnicos os “dar-se-conta-de” são os interpretantes, os agentes do processo são os intérpretes.
Convém salientar que esta análise é puramente formal, ela não tem minimamente em conta a natureza do veículo sígnico, do designatum ou do intérprete. Os factores da semiose são factores relacionais, de tal ordem que só subsistem enquanto se impliquem uns aos outros. Só existe veículo sígnico se houver designatum e um interpretante correspondentes; e o mesmo vale para estes dois últimos factores: a existência de um deles implica a existência dos outros.

Desta relação triádica, podem ser extraídas outras diádicas, no que refere dos signos aos objectos a que se aplicam (Semântica), dos signos com os seus intérpretes (Pragmática) e ainda acrescenta-se a dimensão da semiose que contempla a relação dos signos entre si (Sintáctica/Sintaxe).

Cada uma dessas dimensões possui termos especiais para designar as respectivas relações. Assim, por exemplo, “implica” é um termo sintáctico, “designa” e “denota” são termos semânticos e “expressa” um termo pragmático. É deste modo que a palavra “mesa” implica (mas não designa/denota) a sua definição “mobília com um tampo horizontal em que podem ser colocadas coisas”, denota os objectos a que se aplica e expressa o pensamento do seu utilizador/intérprete. De dizer, no entanto, que há signos que se reduzem à função de implicação (Sintáctica) e, por conseguinte a sua dimensão Semântica é nula (ex. os signos matemáticos); há signos que se concentram totalmente na denotação e, portanto, não têm a dimensão Sintáctica; e há signos que não têm intérpretes efectivos, como é o caso das línguas mortas e, por conseguinte, não têm dimensão pragmática.


SINTÁCTICA/SINTAXE

Indica as categorias, os tipos, os grupos. São as unidades elementares, mínimas, básicas, simples sujeitos a qualquer combinação possível e que, depois, constituirão elementos complexos.

A ideia de sintáctica estabelecida por Morris estuda a maneira como os signos de várias classes se combinam de modo a formar signos. Ela abstrai da significação dos signos que estuda e dos respectivos usos e efeitos. Estuda os aspectos formais dos signos, as relações dos signos com outros signos, isto é, classes de signos com outras classes de signos e as formas de combinação de signos de modo a formar signos complexos, isto é, está incumbida de formar os signos de modo a obter, através da mera consideração dos signos, todas as consequências das ideias correspondentes, através do cálculo geral para determinar as combinações possíveis dos signos.

De certo modo, a sintáctica está para os sistemas sígnicos como a gramática está para uma língua natural. Não basta conhecer o significado das palavras; é também fundamental dominar as regras sintácticas da formação e transformação de signos mais complexos dentro da língua, como as proposições. Conhecer a sintaxe que preside a um sistema sígnico (seja ele qual for) é um dos princípios fundamentais da utilização desse sistema. É necessário o conhecimento das regras que presidem à organização e combinatória dos seus elementos


SEMÂNTICA

Normalmente entendida como a ciência do significado, ocupa-se da relação entre os signos com os objectos que eles denotam. O veículo sígnico em si é algo simples e a sua denotação dos outros objectos reside, basicamente, no facto de que há regras de uso que correlacionam duas séries de objectos. São, portanto, os processos e modos de conferir sentido. Determina sob que condições um signo é aplicável a um objecto ou a uma situação. “Um signo denota o quer que se conforma às condições estabelecidas na regra semântica, enquanto a própria regra estabelece as condições de designação e, desse modo, determina o designatum.” (Morris, 1959). Isto quer dizer que a dimensão semântica de um signo só existe na medida em que há regras semânticas que determinam a sua própria aplicabilidade a certas situações sob certas condições.

Vamos lá ver cá uma ideia: Um signo indexical (Indício) como o apontar estipula que o signo designa a qualquer momento aquilo que é apontado. Neste caso, o signo não caracteriza o que denota. Em contrapartida, ícones e símbolos caracterizam aquilo que designam. Se o signo caracterizar o objecto denotado por mostrar nele mesmo as propriedades que um objecto tem, como acontece com as fotografias, os mapas ou os diagramas químicos, então o signo é um ícone; se não for esse o caso, então trata-se de um símbolo.


Concentrem os neurónios, porque aqui é a parte da transição da Semântica para a Pragmática:

Entendendo a Semântica como a dimensão/ciência do significado, cabe dizer que há diversos significados de significado. Há significados que tentam apreender a essência do que significam (o significado de um signo é a coisa pelo qual o signo está, representa, exprime) e outros que investigam, sobretudo, o modo como operam esses significados. Teoria pragmática considera que o verdadeiro significado de uma palavra não está tanto no que se diz dela como no que se faz com ela. Traduzindo por miúdos, o significado de uma palavra, por exemplo, é o seu uso na língua. Explica tanto o sentido/significado a partir da actividade humana entendida como comportamento e acção. O significado de uma palavra é definido pela situação da enunciação da mesma, nomeadamente pelos estímulos que a provocam e pelas reacções que ela provoca.


A PRAGMÁTICA

Portanto, para além das dimensões Sintácticas e Semânticas na análise do processo da semiose, há a dimensão de contexto/situacional, de uma esfera que passa pelos usuários o signo (intérpretes). Este não é independente do processo que lhe torna dinâmico, das práticas reais. Assim, como a análise das formas sígnicas (Sintáctica/Sintaxe) é levada em consideração pelos valores Semânticos, a Pragmática deve considerar também a conjuntura/circunstância desses significados. Ao questionar o significado e, sobretudo, o sentido dos processos de semiose, os problemas vão surgindo nos diferentes modos de significar, como nos casos dos usos tomados pelo tipo referencial. Torna-se imprescindível realizar os marcos culturais em que esses processos ocorrem. Na Pragmática é importante o comportamento envolvido no funcionamento dos signos de acordo com o contexto social em que tais signos aparecem e funcionam. Os signos, adquirem valor semiótico concreto em cada uso, um sentido para além do que possa, por vezes, precisar nos limites tradicionais/convencionais do mesmo texto/contexto. Os sujeitos que participam de um processo situacional e circunstancial pragmático, criam inúmeras condições à língua: tons irónicos, sarcásticos, metafóricos, simbólicos, etc., o que origina esse valor referencial/contextual.

Pode-se então dizer, que a pragmática surge como um desenvolvimento imanente do processo semiósico, como consideração totalizadora de todos os aspectos do uso sígnico no processo semiosico. Quer-se com isto dizer que, tal como a análise das formas sígnicas (Sintáctica) leva, necessariamente à consideração dos valores semânticos como um critério para definir as unidades sintácticas, assim também a análise do significado induz à consideração das condições e situações da sua utilização. É que ao estudar as formas e as relações dos signos, somos levados, necessariamente, a ter em conta os valores semânticos como critério para definir as unidades, mesmo no plano estritamente formal. E ao analisar o significado e, sobretudo, o sentido dessas unidades e dos processos sémicos em geral, surgem problemas acerca dos diferentes modos de significar e sobre a forma em que os seus usos adoptam as relações de tipo referencial, ou as de iconicidade, ou os valores simbólicos, etc.; torna-se necessário determinar os marcos, sociais e culturais em que se são os processos semiosicos; as situações em que colhem significados os diferentes signos. Tanto as unidades sintácticas como o sentido dos textos (em seu sentido lato) estão vinculados à situação de uso, às circunstâncias em que se produz o processo de expressão, de comunicação, de interpretação dos signos objectivados num tempo, num espaço e numa sociedade, numa cultura.


Nota: Pelo já exposto, acrescento essa informação (que achei algures) que se torna lógica e importante para quem estuda Ciências Sociais e Humanas. Nada de novo mas que ajudar-vos-á: É que qualquer signo produzido e usado por um intérprete pode também servir para obter informações sobre esse/s intérprete/s. Tanto a psicologia, como o pragmatismo ou a sociologia do conhecimento interessam-se pelos signos devido ao valor de diagnose individual e social que a produção e utilização dos signos permitem.

terça-feira, 18 de maio de 2010

A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM-CONCEITO

Importa, antes, mencionar e relembrar a importância que assume, a polissemia dos signos, procurando compreendê-los e explicá-los.

Para isso, Rudimar Baldissera propõe-se a tríade:
Imagem-físico/visível;
Imagem-linguagem; e
Imagem-conceito.



IMAGEM-FÍSICO/VISÍVEL

O mundo impressiona o eu por meio da imagem que dá de si. É o mundo que se manifesta de diferentes formas e se projecta visível; É a visão que o capta e o organiza. O olho capta impressões que, quando articuladas e dotadas de significação, podem constituir-se em informações para o (re)conhecimento do mundo sensível.

Antes de a mente humana conseguir atribuir sentido ao que está a captar, a qualidade e a força (sob o prisma da semiótica de Peirce, a qualidade estaria contemplada por aquilo que denomina de “primeiridade” e a questão da força, pela “secundidade”) da luz se fazem sentir à consciência imediata como tom, matiz, existência. É a experiência das sensações e do próprio existir em relação, pois o mundo se apresenta ao humano, desde os primeiros contactos estabelecidos pelo recém-nascido, como imagens visuais “que invadem a experiência existencial e vão confeccionando um sentido do mundo, um mundo para nós. Por meio das imagens significativas do mundo, vamos tecendo nossa identidade.

Ao mesmo tempo, que o mundo, mediante imagens, sensibiliza a psique, essa, por seu turno, toma impressões do mundo.

Como construção física, a imagem física parece ser privada de juízo de valor, de apreciação simbólica; fenômeno físico-sensível, a imagem física é a instância básica da categoria imagem.


IMAGEM-LINGUAGEM

As imagens físicas podem constituir-se em linguagem, isto é, podem receber significação, ser codificadas, assumindo o carácter de linguagem imagética e, dessa maneira, podem ser empregadas nos processos comunicacionais. É o “domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias, imagens cinematográficas, televisão, infográficas, ...

Imagens, nesse sentido, são objectos materiais, signos que representam o nosso ambiente visual”. Com base em convenções socioculturais, as imagens físicas, teoricamente, podem ser captadas, codificadas e empregadas como mensagens, ou parte de mensagens, para que os sentidos aí dados levem o leitor a realizar determinadas interpretações.

Também é preciso pensar naquelas imagens que se formam na mente, a partir da articulação de linguagens, especialmente, a verbal. Esse é “o domínio imaterial das imagens na nossa mente. Elas aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais.


Nesse sentido, é possível “distinguir dois tipos de processos imaginativos:

- o que parte da palavra para chegar à imagem visível; e
- o que parte da imagem visível para chegar à expressão verbal.

Pode-se dizer que, por exemplo, uma descrição remete, imediatamente, a um processo de construção de imagens mentais. Ao ler, “somos levados a ver a cena como se esta se desenrolasse diante de nossos olhos, se não toda a cena, pelo menos fragmentos e detalhes que emergem do indistinto. Tais imagens são codificadas, têm significação.


IMAGEM-CONCEITO

Além de se realizarem como Imagem Física ou como Imagem-Linguagem, as imagens podem manifestar-se como juízo de valor, apreciação, conceito que uma mente humana (ou grupo) atribui a alguém, a algo ou a alguma coisa (pessoa, instituição, organização, processo, objecto, ...).

A imagem designa fenómenos distintos que têm em comum a propriedade de serem “representações”. Assim como a imagem, em seu sentido comum, visual, representa ou apresenta algo para alguém assim também o faz a imagem em seu sentido figurado.

A noção de Imagem-Conceito é explicada como uma construção simbólica, complexa e sintetizante, de carácter judicativo/caracterizante e provisório, realizada mediante permanentes dialécticas entre uma diversidade de elementos-força, tais como as informações e as percepções sobre a identidade (algo/alguém), a capacidade de compreensão, a cultura, o imaginário, a psique, a história e o contexto estruturado.

AS DICOTOMIAS SAUSSUREANAS

Ferdinand Saussure amplia o horizonte dos estudos linguísticos e mostra que cabe à Linguística ir além do mero estudo dos signos e assim ele estabelece as suas dicotomias que vamos ver a seguir:

I. Semiologia/Linguística;
II. Signo: Significado/Significante;
III. Arbitrariedade/Linearidade;
IV. Linguagem: Língua/Fala;
V. Sincronia/Diacronia;
VI. Sintagma/Paradigma.


I – SEMIOLOGIA/LINGUÍSTICA

A Semiologia é a teoria geral dos signos, em que consistem e as leis que os regem. Portanto, difere da Linguística por um alcance maior; a Linguística não é senão uma parte dessa ciência geral. Enquanto a Linguística limita-se ao estudo científico da linguagem humana, a Semiologia preocupa-se não apenas com essa linguagem, mas também com a dos animais e de todo e qualquer sistema de comunicação, seja natural ou convencional.

Assim exposto poder-se-á entender que a Semiologia contém a Linguística. No entanto, se formos investigar, as teorias de Saussure, poderemos encontrar que Saussure considera a soberania da Linguística sobre a Semiologia, num certo aspecto. É que, pelo facto de Saussure não ter tido conhecimento das teorias que já haviam sido divulgadas de Platão a Pierce, ele deduziu que ainda não haviam sido desenvolvidas as bases da ciência que estuda os signos que precisava ser criada. Ele pensou que a Linguística, como já estava bem desenvolvida, poderia servir de apoio para a criação dessa nova ciência, a qual ele designou Semiologia. Daí, a ideia defendida por ele, de que a Linguística, neste aspecto, é soberana à Semiologia.

Obs.: Há dois termos: Semiologia (surge na Europa, com Saussure) e Semiótica (nos Estados Unidos, com Peirce). Mas como vos disse durante as aulas, podem utilizar tanto a Semiologia quanto a Semiótica para designarem a ciência dos signos.


II. SIGNO: SIGNIFICADO/SIGNIFICANTE

O signo linguístico para Saussure é a união do conceito com a imagem acústica. O conceito (ou ideia) é a representação mental de um objecto ou da realidade social em que nos situamos, representação essa condicionada pela formação sócio-cultural que nos cerca desde o berço. Noutras palavras, para Saussure, conceito é sinónimo de significado (plano das ideias), algo como o lado espiritual da palavra, sua contra-parte inteligível, em oposição ao significante (plano da expressão), que é sua parte sensível.

Por outro lado, a imagem acústica não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som. Melhor dizendo, a imagem acústica é o significante. Com isso, temos que o signo linguístico é uma entidade psíquica de duas faces que estão intimamente unidas e uma reclama a outro. Não há significado sem significante.

Exemplificando, quando alguém recebe a impressão psíquica transmitida pela imagem acústica (ou significante) /kδpw/ graças à qual se manifesta fonicamente o signo copo, essa imagem acústica, de imediato, evoca-lhe psiquicamente a ideia de recipiente utilizado para beber algo. Poderíamos dizer que aquilo que o falante associa com o significante /kδpw/ corresponderia ao significado Vaso (em espanhol), Glas (em alemão) ou Glass (em inglês).


III. ARBITRARIEDADE/LINEARIDADE

O signo linguístico (como já vimos no post anterior), é arbitrário, quer dizer que o significado não depende da livre escolha de quem fala, logo o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade. Desse modo, compreendemos porque é que Saussure afirma que a ideia (ou conceito ou significado) de mar não tem nenhuma relação necessária e “interior” com a sequência de sons, ou imagem acústica ou significante /mar/. Em outras palavras, o significado mar poderia ser representado perfeitamente por qualquer outro significante, daí as diferenças entre as línguas: Mar em inglês é Sea, em francês, Mer, em alemão See.

O princípio da linearidade que se aplica às unidades do plano da expressão (fonemas, sílabas, palavras), por serem estas emitidas em ordem linear ou sucessiva na cadeia da fala, sendo o princípio das relações sintagmáticas (que vamos ver mais a frente). Aqui, é importante perceber eu os significantes acústicos, as palavras, formam uma cadeia com uma ordem linear específica. O Significante, porque é de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo e ao tempo vai buscar as suas características: representa uma extensão e essa extensão é mensurável numa só dimensão. É uma linha, ou seja, o Significante existe no espaço e na circunstância e tem uma duração – começa e acaba. O discurso reproduz-se na nossa própria existência.
Os elementos dos significantes acústicos – fonemas, sílabas, palavras – apresentam-se uns após os outros, tal como podemos comprovar facilmente pela escrita, onde a linha espacial dos sinais gráficos substitui a sucessão no tempo. Todos assumem lógica quando proferidos porque apresentam essa mesma ordem, que sugere um sentido compreendido inconscientemente pelo nosso conhecimento de uma determinada língua.


IV. LINGUAGEM: LÍNGUA/FALA

Dicotomia fundamentada na oposição social/individual. Saussure afirma que a linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro, além disso implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma instituição actual e um produto do passado.

A língua, sendo um produto social da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adoptadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos, existe na colectividade sob a forma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário, cujos exemplares todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Na condição de bem comum, a língua traz consigo toda a experiência histórica acumulada por um povo durante sua existência. E aí residem as particularidades de cada uma, cujas expressões somente podem ser compreendidas pelos seus falantes nativos, além das dificuldades para se traduzirem certas expressões que lhe são próprias. Saussure ainda nos ilustra que, se fosse possível abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas em todos os indivíduos, atingiríamos o liame/a ligação social que constitui a língua, afinal ela não está completa em ninguém, é só na massa que ela existe de modo completo. Dessa forma, mesmo estando internamente armazenada, o indivíduo por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão em virtude de uma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade, afinal a língua é a parte social da linguagem, logo exterior ao indivíduo.

A fala, ao contrário da língua, por se constituir de actos individuais, torna-se múltipla, imprevisível, irredutível a uma pauta sistemática. Os actos linguísticos individuais são ilimitados, não formando um sistema. Os factos linguísticos sociais, bem diferentemente, formam um sistema, pela sua própria natureza homogénea. Vale ressaltar, no entanto, que tanto o funcionamento quanto a exploração da faculdade da linguagem, estão intimamente ligados às implicações mútuas existentes entre os elementos língua (virtualidade) e fala (realidade).


NOTA: A fala é individual e se efectiva no momento em que o falante a concretiza se expressando através da língua. Comporta muitas variantes, dialectos e idiolectos. Estes, porém, não alteram a língua, que é um sistema social, independente dos indivíduos.


V. SINCRONIA/DIACRONIA

Para entendê-la, nada melhor que remontar a origem dessas palavras. Ambos os termos são gregos, sendo sincronia construído de syn "juntamente" e chrónos "tempo", significando "ao mesmo tempo", enquanto em diacronia parte-se de dia "através" e chrónos "tempo", significando "através do tempo".

Ora, a linguística diacrónica estudaria, pois, a língua e suas variações histórico-temporais, enquanto a linguística sincrónica estuda a língua em um certo momento, sem importar a sua evolução temporal. Não importa para a sincronia, por exemplo, que "caligrafia" tenha significado, em um certo tempo, "escrita bela", pois que, ao contrário da diacronia, aquela se preocupa com a língua isolada do seu processo de mudanças históricas.

Saussure, portanto, considera sincronia o eixo das simultaneidades, no qual devem ser estudadas as relações entre os factos existentes ao mesmo tempo num determinado momento do sistema linguístico, que pode ser tanto no presente quanto no passado. Noutras palavras, sincronia é sinónimo de descrição, de estudo do funcionamento da língua.

Por outro lado, no eixo das sucessividades ou diacronia, o linguista tem por objecto de estudo a relação entre um determinado facto e outros anteriores ou posteriores, que o precederam ou lhe sucederam. E Saussure adverte que tais factos (diacrónicos) "não têm relação alguma com os sistemas, apesar de os condicionarem". Em outras palavras, o funcionamento sincrónico da língua pode conviver harmoniosamente com seus condicionamentos diacrónicos.


Acrescente-se ainda que a diacronia divide-se em:


História Externa (estudo das relações existentes entre os factores sócio-culturais e a evolução linguística); e

História Interna (trata da evolução estrutural – fonológica e morfossintáctica – da língua).


VI. SINTAGMA/PARADIGMA

As relações associativas/combinatórias são sintagmáticas. As relações de coisas que podem ocupar o mesmo lugar, que são relações de escolha, são paradigmáticas.

É facilmente entendível com alguns exemplos. Vejam um exemplo semelhante ao que vos dei na aula:

Usou o martelo pesado.
Levei esse prego enferrujado.
Roubaram aquela perfuradora grande.
Estragaste este alicate vermelho

Relações Paradigmáticas: "usou", em opção a "levei, roubaram, estragaste"; "o" em opção a "esse, aquela, este"; "martelo", em opção a "prego, perfuradora, alicate" e "vermelho" em opção a "pesado, enferrujado, grande, vermelho".

Relações Sintagmáticas: "Usou o martelo pesado.", em opção a "Usou o pesado martelo" ou "martelo pesado o usou".

Toda a frase, segundo essa dicotomia – não apenas frases, mas também palavras e até signos extra-linguísticos –, possui dois eixos: um de selecção (Paradigma) e outro de combinação (Sintagma).

Na frase "Eu comprei um carro novo", há possibilidades combinatórias claras, tais como "Um carro novo eu comprei" (mudança de ordem das palavras – tem a ver com a linearidade, vista anteriormente) ou outras, como ao acrescentarmos novos termos (paradigmas) à oração. Também há quase inumeráveis possibilidades selectivas, tais como: "eu / ele / tu / João / Dina - comprou / vendeu / roubou / explodiu - um / dois / três / muitos - carros / foguetes / camiões - novos / velhos / antigos / raros". O eixo de selecção proposto pela relação paradigmática, corresponde às palavras que podem ocupar determinado ponto numa sentença/frase.

A ARBITRARIEDADE DO SIGNO DE SAUSSURE

Na linguística saussuriana, diz-se que a relação que une o significado ao significante é marcada pela arbitrariedade. De forma geral, pode-se dizer que o signo linguístico é arbitrário porque é sempre uma convenção reconhecida pelos falantes de uma língua. Por exemplo, a ideia de garrafa e o seu significante [g a R a f a ] mostra que existe arbitrariedade na relação significado/significante, porque em outras línguas o registo fonético é diferente para o mesmo significado (bottle, em inglês, ou bouteille, em francês). Quer dizer, não existe uma relação natural entre a realidade fonética de um signo linguístico e o seu significado.


Antes de mais, vamos lá ver esta coisa que vos estava a fazer "grumos" na cabeça...

ARBITRARIEDADE: qualquer dos milhares de outras palavras possíveis ou imaginárias poderiam ser utilizadas para designar uma mesma coisa/um mesmo conteúdo. Portanto, arbitrário quanto ao significado, não em relação ao intérprete, ou seja, o sujeito não tem livre escolha para “criar” palavras.

CONVENCIONALIDADE:
A razão do uso de determinada palavra se deve ao facto de que a mesma já vem sendo utilizada na comunidade à qual o falante pertence (imposta pelo grupo que compartilha o mesmo código).

Bem, sim ou não, seguiremos para melhor compreensão...


O SIGNO MOTIVADO E O SIGNO NÃO MOTIVADO/IMOTIVADO

Bem, a condição de arbitrariedade, como vimos na aula, está directamente ligada ao facto de o signo ser ou não motivado. Quando se fala arbitrariedade absoluta diz-se total falta de motivação e, quando se diz arbitrariedade relativa, diz-se, também, motivação relativa ou, considera-se ter havido aí alguma ligação motivada entre significado e significante.

Mas, para que fiquem bem claros estes conceitos e sobre eles não paire a menor dúvida, faz-se necessária à compreensão precisa do termo motivação dentro da perspectiva saussuriana.

Nós temos alguns elementos que nos servem de sinais; de representatividade de algo mas que não estão explícitos totalmente no elemento que o representa. Estes elementos representativos, esses sinais, tanto podem ser de carácter natural, quanto convencional.

Os sinais de carácter natural são aqueles que nos servem de indícios dos fenómenos naturais, como, por exemplo, a fumaça, que nos indica a presença do fogo, ou o trovão, que nos aponta para a possibilidade de chuva.

Os sinais de carácter convencional são aqueles que a sociedade estabeleceu, concordou, a partir de algum momento, que seria o que melhor representaria, dentro daquela realidade de fala, uma ideia tal.

O ícone, o símbolo e o signo são esses sinais criados dentro da colectividade de fala.

Por ser totalmente imagístico, o ícone é totalmente motivado, isto porque só se faz uma imagem a partir de um dado elemento. A foto de Maria deve consistir na impressão da imagem de Maria. O mesmo ocorre com a estatueta de um pássaro, ela deve consistir num conjunto de características inerentes àquele pássaro que pretende representar. O ícone deve impressionar os sentidos de forma tal que não permita confusão alguma no momento de identificá-lo e saber o que ele representa. Ele é motivado por aquilo que representa.

O símbolo é menos motivado, isto porque não tem que representar uma ideia exclusiva, mas uma ideia genérica. Dessa forma, uma pomba branca pode trazer a ideia de paz, seja lá o que for que a paz signifique para quem a percebe. De igual modo têm-se uma balança para representar a justiça, independente do conceito que cada indivíduo tenha deste termo. Assim, qualquer balança serve para trazer a ideia de justiça, mas, nem toda imagem de ave serve para representar um falcão. Por isso diz-se que o símbolo que relativamente motivado.

O signo não possui motivação nenhuma, por isso é totalmente arbitrário, porque o nome em nada está ligado ao objecto nomeado. Uma criança pode ser, ao mesmo tempo, uma menina, uma garota, uma guria ou uma piá (menina). Todos esses signos representam bem a ideia de infante/criança. E, poderíamos, ainda, considerar que, cada idioma tem seu conjunto próprio de signos para designar a mesma ideia. Isto prova que o signo não está ligado ao que representa de forma motivada, mas imotivada.

Porém, quando temos o numeral dez e o numeral nove, temos dois signos absolutamente arbitrários. Mas, quando temos o numeral dezanove, a arbitrariedade torna-se relativa, isto porque dezanove é a junção de dois conceitos distintos que são representados por signos diferentes. O signo que surge dessa junção é fiel às ideias contidas nos signos anteriormente separados, e aí está a motivação.

Entendido, pessoal?

quinta-feira, 13 de maio de 2010

OS SIGNIFICANTES (Tira-teimas)

Pessoal, para acender-vos algumas luminárias e para ficar mais descansada...

Como temos vindo a repetir sem fim, até que a alma doa, o Significante é a parte material de um Signo e é perceptível quer fisicamente, quer sensorialmente. Assim, podemos qualificar os significantes em função dos cinco sentidos: Visual, Sonoro, Táctil, Olfactivo ou Gustativo.


Vejamos uma série de exemplos:


- A palavra falada é um signo cujo significante é sonoro;

- A sirene de uma ambulância é um signo cujo significante é sonoro;

- A palavra escrita é um signo cujo significante é visual;

- A luz de trânsito é um signo cujo significante é visual;

- O perfume é um signo cujo significante é olfactivo;

- Um vinho é um signo cujo significante é gustativo;

- Uma carícia é um signo cujo significante é táctil.



Acreditam nisso? Comentem as vossas sensações acerca.
Até o próximo post.

OS MODOS DE RELAÇÃO E DE REPRESENTAÇÃO

Vamos agora ver se entendemos bem os MODOS DE RELAÇÃO ENTRE O SIGNIFICANTE E O SIGNIFICADO, boa?

Bom, o que vos quero dizer (quer dizer, Saussure vos quer dizer) aqui nesta matéria é que existem vários tipos de relações possíveis entre o significante e o significado.

De uma forma muito simples, e assim…

... uma delas pode ser a NATURAL e é, então, a consequência de uma lei da natureza e a experiência ensinou ao homem a conhecer-lhe a significação. Por exemplo, o fumo (significante) tem uma relação natural com o fogo (significado). Esta relação natural é, muitas vezes, casual, enquanto é uma relação de causa-efeito (o efeito “fumo” manifesta, claramente a causa “fogo”).
Portanto, a relação Natural é aquela em que relacionamos, pela experiência, o significante ao significado. Sabemos que vai chover, se ouvirmos trovoadas ou as nuvens estiverem negras. Aprendemos, pela experiência que é isso que acontece.

... o outro modo relação pode ser a CULTURAL. É o caso do signo linguístico que é arbitrário, porque não tem um vínculo natural com a realidade. Essa relação cultural pode ser estabelecida pela tradição, pela cultura e insere-se então na “bagagem sociocultural” de uma sociedade. Por exemplo, o facto de fumar cachimbo numa tribo de índios significar a paz e na civilização ocidental, a pomba brana o significar.


MODOS DE REPRESENTAÇÃO DOS SIGNIFICADOS

Ainda os próprios Significados (vejam bem que agora não é o Significante em relação ao Significado, mas centrado nos Significados), que são a representação mental de uma coisa, de uma ideia ou de um sentimento, podem ser caracterizados em função da natureza dessa representação que pode ser:

FACTUAL (ou Concreta): Quando o significado é a representação de alguma coisa material que existe, por exemplo a de uma determinada mesa. A ideia de mesa esta representada nesta mesa que utilizo como suporte do computador onde escrevo.

TEÓRICA (ou Abstracta): Quando o significado representa uma ideia abstracta/subjectiva de alguma coisa, de uma noção, de um raciocínio. Por exemplo, quando penso ou sugiro a noção de mesa como um meio perfeito para comer, ou para apoiar um computador.

AFECTIVA (ou Sentimental): Quando o significado se refere a um sentimento ou a uma emoção. Exprime um significado de ordem afectiva. Por exemplo, exprimo o meu sentimento de amor por palavras, por gestos.


Well, that’s it, people!
Boas semiotizações na expressão dos vossos sentimentos, :).

OS MODOS DE SIGNIFICAÇÃO

Que tal vermos, agora, os Modos de Significação?

Creio que isto ficou bem esclarecido na aula, mas convêm sempre explanar mais um bocadinho...


Como já vimos, os diversos signos podem ter diferentes modos de significação, conforme os significantes tenham uma extensão maior ou menos. É o que, por vezes chamamos o campo semântico.

A semiologia saussureana estabelece uma dupla distinção entre as palavras que podem ter unicamente um sentido – como a negação “não” – e que são, por consequência, Monossémicas e as palavras que podem ter vários sentidos e que são Polissémicas – tais como uma lista de leis, a poesia, uma pintura, etc. e tal...

Na Semiologia, podem alargar-se estas noções e constatamos que os signos podem ter três Modos de Significação e que são:

MONOSSÉMICA: obriga a que a relação entre o significante e o significado seja única. O conhecimento do sentido de cada signo é prévio e indispensável a toda a comunicação. Por exemplo, a luz vermelha, no trânsito, significa uma paragem obrigatória e mais nada do que uma paragem obrigatória. Outras interpretações seriam perigosas. Todavia, é preciso conhecer esse único sentido, antes de decifrar esse sinal.

POLISSÉMICA: permite múltiplas relações entre o significante e o significado – de facto, podem existir vários significados para o mesmo significante. A palavra tábua constitui um ou vários exemplo verbal, mas isso é possível em todas as linguagens. Por exemplo, pode significar, tanto a tábua da múltiplicação/adição/subtração/divisão, como pode significar tábua de madeira, ou tábua de leis.

PANSÉMICA: indica que a relação entre o significante e o significado é omnipossível (“pan”, do grego que significa “tudo”). É o tipo de significação da música ou da imagem abstracta. Exprime aquilo que percebo em função do signo, sem que haja correspondência precisa entre o significante e o significado.


Bonito, pessoal?
Agora misturem com os apontamentos/slides da aula e vejam com é que isso tudo significa.
Até o próximo post.

SIGNO - SIGNIFICANTE - SIGNIFICADO - SIGNIFICAÇÃO

Ora, vamos lá ver, essa coisa esdrúxula do Signo – Singnificante – Significado - Significação do nosso querido Saussure...

De acordo com ele (e não só), as linguagens são sistemas de signos e o estudo desses signos, objecto próprio da Semiologia por ele defendida, ajuda a compreender os mecanismos da comunicação.

Como já vimos na aula, o Signo é um “sinal que ocupa o lugar de qualquer coisa que é conhecida pela experiência”. Assim, a palavra “cão” tem uma significação em função da nossa experiência geral dos cães. Qualquer pessoa que habitasse uma ilha em que não existissem cães, não saberia a que é que se referia esta palavra.

O Signo é, pois, uma noção complexa que designa todo o meio de encarnar a representação mental de um objecto, de uma ideia, de um desejo, a fim de os tornar transmissíveis sob a forma de mensagem. Portanto, é o Signo aquilo que representa uma coisa diferente de si.

Ferdinand de Saussure, ao estudar o signo linguístico, aquele que é utilizado pela linguagem verbal, distinguiu dois componentes que o formam:

O SIGNIFICANTE, que é o elemento perceptível do signo e que constitui, de certo modo, uma “imagem acústica” (Perspectivando Pierce, seria o Objecto (geral) e/ou o Representamen (específico)). Situa-se no plano da forma/continente (isto é da sua parte material, da linguagem); e

O SIGNIFICADO, que não é uma coisa, mas a representação mental dessa coisa. É o conceito. (Em comparação com a teoria Pierciana, podem imaginar que seja o Interpretante). Situa-se no plano do conteúdo (portanto da mensagem, da interpretação).


Para melhor entenderem, vamos lá ver um exemplo que melhor mostrará a correspondência entre Significado e Mensagem e entre Significante e Linguagem:

Imaginem que João experimenta um sentimento de amor em relação a Maria; Esse sentimento é o conteúdo potencial de uma mensagem mas, enquanto não for expresso, não constitui um elemento de comunicação. Esse sentimento, mensagem virtual, imaterial, é o significado que João pode exprimir através de palavras – “amo-te” –, que é um significante linguístico –, através de gestos ou manifestações (significantes não-verbais). O signo é, portanto, não apenas a expressão “amo-te”, ou os gestos (Significantes) mas, igualmente, o sentimento expresso.


O Significante e o Significado, formando, assim, o Signo, uma entidade psíquica com duas faces, a combinação do conceito (Significado) e a imagem acústica (Significante) e a essa relação, Saussure denominou-a de SIGNIFICAÇÃO, isto é, o acto que une o significante ao significado e que constitui um elemento essencial do signo.

Tomemos como exemplo, o tal ramo de rosas que vos expus na aula:

Faço o ramo significar o meu afecto, a minha paixão. Existirá aqui, apenas um Significante (as rosas) e um Significado (o meu afecto/a minha paixão)? Não! Aqui, apenas existem as rosas “passionalizadas”. Essas rosas, carregadas de paixão (Signo), se deixam, perfeita e justamente, decompor em rosas (Significante) e em paixão (Significado).

Tomemos outro exemplo - “Uma pedra negra”:

Posso fazê-la significar de várias maneiras. Ela é um simples Significante. Mas se a carrego de um significado definitivo (condenação à morte, por exemplo, num voto anónimo), ela tornar-se-á um Signo. Portanto a Significação é o processo/o como dar significado ao significante.



Bom é isso...
Ficou esdrúxulo, pessoal?
Até a próxima… :D

terça-feira, 11 de maio de 2010

A NOÇÃO DO SIGNO DE SAUSSURE

Para Saussure, o SIGNO é “um sinal que ocupa o lugar de qualquer coisa que é conhecida pela experiência”.

Por exemplo, a palavra “cão” tem um significado em função da nossa experiência geral dos cães. Uma pessoa que habitasse uma ilha (por exemplo) onde não existissem cães, não saberia a que é que a palavra se refere.

Mais, para ele, o Signo é a mistura dos traços materiais/sonoros com a ideia/conceito/noção que estes traços/sons representam, distinguindo o mundo da representação (Significante/físico/sensível) do mundo real (Significado/mental/inteligível).

Embora as palavras Conceito e Imagem possam designar oposição, Saussure resolveu substituí-las por Significado e Significante, acreditando que tais palavras pudessem expressar com maior clareza a ideia de oposição entre os principais elementos do signo: conceito e imagem. A dicotomia entre significado e significante é importante porque aborda de modo satisfatório o velho problema da relação entre as palavras e as coisas.

Portanto, para ele, os elementos que formam o signo são:

SIGNIFICANTE + SIGNIFICADO = SIGNO

... como se fossem (Significante e Significado) dois lados inseparáveis de uma mesma moeda (Signo).


SIGNIFICANTE é a "imagem acústica" (cadeia de sons). Consiste na forma como é apresentado. Plano do sensível. Aqui é o Mundo da Representação. É a parte física do signo; isto é, a parte material que é a sua sonoridade ou a sua representação gráfica. Por exemplo, a imagem acústica da palavra “sapo” é o significante para todos os fins.

SIGNIFICADO reside no conteúdo, é o conceito que é o plano das ideias/da interpretação, algo como o lado espiritual da palavra, sua contra-parte inteligível, em oposição ao significante, que é a sua parte sensível. É o que permite a formação da imagem na mente de um indivíduo quando ele entra em contacto com o significante. Trata-se, portanto da representação mental de um objecto de acordo com a realidade social em que nos situamos (é condicionada pela formação sócio-cultural que nos cerca desde o berço).


Vejamos o exemplo a seguir:


O símbolo “ € ”, por exemplo, é uma mistura dos traços, feito, por exemplo, de pixéis na tela do computador (Significante), com a ideia de ser uma moeda da União Europeia (Significado).

O traço está na tela (significante) e a ideia está no conceito dentro da mente (Significado). A junção disso forma um Signo.

E se mostrarmos o símbolo “€” para alguém que não entende de geografia e nunca ouviu falar do Euro? Neste caso, o “€” deixou de ser um signo, pois ele é apenas um significante/um rabisco sem significado nenhum.

Mas e se mostrarmos o símbolo “ € ” para alguém de uma tribo isolada que diz que o “€” significa um Deus para eles? Aqui, já é um outro signo, pois há um outro significado).


Outro Exemplo:


Quando um falante de português recebe a impressão psíquica que lhe é transmitida pela imagem acústica ou significante /kaza/(representação fonética do signo “casa”), essa imagem acústica, de imediato, evoca-lhe psiquicamente a ideia de abrigo, de lugar para viver, estudar, fazer as suas refeições, descansar, etc.

Figurativamente, diríamos que o falante associa o significante /kaza/ ao significado abrigo, lugar para viver, estudar, fazer as suas refeições, descansar, etc.


Captaram a ideia, pessoal?

A PERSPECTIVA SEMIOLÓGICA DE FERDINAND DE SAUSSURE

BIOGRAFIA

Linguista suíço cujas elaborações teóricas propiciaram o desenvolvimento da linguística enquanto ciência e desencadearam o surgimento do estruturalismo. Antecipa os princípios da ciência linguística do século XX com a sua análise sobre a estrutura da linguagem.

O termo Estruturalismo tem origem no Curso de Linguística Geral (1916) e propõe abordar qualquer língua como um sistema no qual cada um dos elementos só pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém com os demais elementos. Ou seja, procura explorar as inter-relações (as "estruturas") através das quais o significado é produzido dentro de uma cultura.

Além disso, o pensamento de Saussure estimulou muitos dos questionamentos que comparecem na linguística do século XX.

Foi introduzido aos estudos linguísticos mas, também, estudou Física e Química. Enquanto isso, prosseguiu com os seus cursos de gramática. Por fim, convenceu-se que sua carreira estava nos estudos da linguagem e ingressou na Sociedade Linguística de Paris.

Em 1906 foi encarregado de ensinar Linguística Geral e, com isso, realizou conferências que apresentaram conceitos que mudaram completamente o modo de encarar a linguística.

Entendia a linguística como um ramo da ciência mais geral dos signos que ele propôs fosse chamada de Semiologia, de quem foi considerado o pai por ter sido o primeiro autor a criar essa designação e a designar o seu objecto de estudo (os sígnos verbais).

Graças aos seus estudos a linguística adquire autonomia e o seu objecto e método próprio passam a ser delineados. Os seus conceitos serviram de base para o desenvolvimento do estruturalismo no século XX.

Após a sua morte, os seus discípulos esperavam encontrar em seus manuscritos a imagem fiel das suas lições. Todavia, em vão, já que Saussure destruía os rascunhos que escrevia, as gavetas de sua escrivaninha estavam quase vazias. Assim, resolveu-se reunir as anotações minuciosas dos seus alunos, compará-las e recriar cuidadosamente o pensamento do pioneiro da linguística. O resultado deste trabalho foi a publicação do "Curso de Linguística Geral", onde, para além da teoria do signo linguístico, resultante da combinação entre um significante (o componente sonoro) e um significado (o conceito), também se pode conhecer as famosas dicotomias: Língua/Fala; Sincronia/Diacronia; Sintagma/Paradigma; Arbitrariedade/Linearidade; Singnificante/Significado, (como iremos ver mais adiante).


Por agora fiquemos com uma noção do signo Saussureano (no post a seguir).

quarta-feira, 5 de maio de 2010

CONTRIBUIÇÕES DA SEMIÓTICA PIERCIANA

A semiótica de Charles Sanders Peirce oferece subsídios para se pensar a comunicação contemporânea, cujo diferencial básico é a ênfase em processos colaborativos de mediação sociotécnica.

O modelo peirceano da semiose pode ser considerado um modelo abstracto de comunicação, no qual o objecto ocupa o lugar lógico da emissão, o interpretante o lugar lógico da recepção e o signo (ou representamen) o lugar lógico do meio/mensagem. Nessa perspectiva teórica, as operações semióticas de determinação e associação, que circunscrevem a mediação sígnica, podem ser compreendidas, respectivamente, nos domínios da transmissão (que caracteriza a lógica mediática de comunicação) e da colaboração (que caracteriza a lógica hipermediática de comunicação).

A Teoria dos Signos, criada por Charles Peirce, desempenha um papel de extrema importância em diversos estudos do campo comunicacional. Peirce rompeu com a dicotomia significante/significado, esclarecendo o processo de significação, com a sua noção de interpretante. Também propôs as tricotomias do Signo em relação a si mesmo, ao seu objecto e ao seu interpretante. Nunca chegou a dar como rigorosamente acabada a sua divisão e classificação dos diferentes tipos de signos.

A classificação mais importante do signo peirceano é a que o divide as três tricotomias e as 10 classes principais, embora Peirce afirme, também, a existência de 10 tricotomias e 66 tipos diferentes de signos, entretanto, nomeia apenas o seu modo de geração e não cada classe em particular. Isto porque um signo nunca aparece como signo "puro". A tricotomia peirceana é um método de análise que permite distinguir entre diferentes aspectos da semiose, mas, quanto à sua realização ou ocorrência no mundo, nenhum signo pertence exclusivamente a uma destas classes.

Os signos podem assumir características diversas segundo os casos e as circunstâncias em que os usamos. Todos necessitam, como vimos, nas definições, do tipo de signo de ordem anterior (ou do seu contexto). Como dizia Peirce, “todo o signo tem um preceito/uma regra de explicação, segundo o qual ele deve ser entendido como uma espécie de manifestação do seu objecto”. Este processo é contínuo. O signo e sua explicação formam outro signo. E este provavelmente exigirá uma explicação adicional, o que formará um signo ainda mais amplo. E assim, sucessivamente. As afirmações podem ser falíveis, como advertiu Peirce diversas vezes. “Na comunidade de estudiosos, o processo global de desenvolvimento dessas formulações através da observação e do raciocínio abstracto de verdades que devem permanecer válidas quanto a todos os signos utilizados por uma inteligência científica, constitui uma ciência da observação, como qualquer outra ciência positiva, não obstante o seu acentuado contraste com todas as ciências especiais que surge de sua intenção de descobrir o que deve ser e não simplesmente o que é no mundo real”.

Considerado Sistemático para uns e não sistemático para outros, o pensamento de Peirce tem dado motivo a várias interpretações, mas com unânime reconhecimento de seu pioneirismo na lógica e na semiótica.

A grande contribuição de Peirce, foi exactamente criar um modo onde podemos classificar um signo por meio de um método lógico. Peirce tentou fundar uma ciência geral dos signos que pudesse dar conta do mundo, da experiência humana e garantir a sua comunicabilidade. A sua reflexão sobre a linguagem, o signo e significação pontua os momentos mais importantes da história do pensamento ocidental.


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No próximo post terão a continuidade com a perspectiva semiotica de Ferdinand de Saussure e a sua noção de signo.
Até lá, bons estudos e não se esqueçam do trabalho prático de análise semiótica do conto popular "O Capuchinho Vermelho" que iniciamos na aula anterior. Quero ver como é que andam essas cabeças semiotizadas. :)

O SIGNO DE PIERCE E AS SUAS DIVISÕES

Vejamos mais aqui sobre o SIGNO PIERCIANO e as suas divisões.

A Terceiridade predomina na generalidade, na continuidade que permite, por exemplo, a elaboração de leis. Toda a lei depende de um referencial (primeiro e segundo), de que ela é o terceiro. O signo, segundo Peirce, é a ideia mais simples da terceiridade, já que, para ele, o Signo é aquilo que representa alguma coisa para alguém, sob determinado prisma.

A coisa representada denomina-a Objecto. Portanto, o primeiro signo denomina-se Representamen. Cria na mente da pessoa, o qual é direccionado como emissão, um signo equivalente a si próprio. A flor que existe no mundo independe de minha vontade. A palavra flor (ou flower, ou fleur, ou fiore) é um signo gerado pelo primeiro signo que é a flor. Esse outro signo, mais desenvolvido que o representamen, denomina-o Peirce Interpretante. Decorre daí uma nova relação triádica - signo/objeto/interpretante, como abaixo:

Entre signo-interpretante e interpretante-objecto, as relações são causais. Já entre signo e objecto não há relação de pertinência, porque arbitrária. O signo não pertence ao objecto, o objecto não pertence ao signo. Decorre que o interpretante passa a funcionar como a chave da relação (inexistente) signo e objecto. As três entidades formam a relação triádica do signo.

Peirce configura a palavra signo numa acepção muito larga e elástica. Pode ser uma palavra, uma acção, um pensamento ou qualquer coisa que admita um interpretante, com o qual mantém uma relação de duplo termo. A partir de um interpretante e por causa dele, torna-se possível um signo. Nem interpretante, nem signo, estão contidos na primeiridade ou na secundidade. Como categoria lógica, ambos incluem-se na terceiridade.

Peirce concebe os signos em três divisões amplas:

- ÍCONE (a impressão digital ou a foto no Bilhete de identidade é ÍCONE);
- ÍNDICE (a impressão digital do ladrão deixado em algo é ÍNDICE); e
- SÍMBOLO (a impressão digital, como símbolo de campanha a favor da alfabetização é SÍMBOLO).

ÍCONE é um signo que é uma imagem. Caracteriza-se por uma semelhança, por imitação e independe do objecto que lhe deu origem, quer se trata de coisa real ou inexistente.

ÍNDICE é um signo que é um indicador. Relaciona-se efectivamente com o objecto, por contiguidade, por associação. Aquilo que desperta a atenção num objecto, num facto, é seu índice. Permite, por via de consequência, a contiguidade entre duas experiências ou duas porções de uma mesma experiência.

SÍMBOLO é o signo que é uma abstracção de um concreto. Refere-se ao objecto que denota em virtude de uma lei, e portanto, é arbitrário e convencionado.


Obs: A possível conexão entre significado e significante não depende da presença (ou ausência) de alguma similitude. Enquanto o índice define contiguidade, o símbolo, não. Fundamental no signo que é um símbolo incide em seu carácter definitivamente convencional.
Essa é a divisão triádica dos signos, segundo Peirce.


O signo apresenta, ainda três sub-categorias básicas. A partir dessa nova proposição triádica, Peirce concebe que todo o signo:


A. Em si próprio, pode ser:

1) mera qualidade (QUALI-SIGNO é todo signo que é uma qualidade. Como tal, semanticamente, um determinante. O azul é um determinante (qualidade) de cor);

2) existência concreta (SIN-SIGNO é todo o signo que é uma coisa existente, um acontecimento real. Em princípio, envolve vários quali-signos (ou permite vários determinantes). O vermelho é soma dos quali-signos de vermelho (que é uma cor, que é sinal de proibição, que é sinal de alerta, que é sinal de perigo). O vermelho é o signo de si próprio (sin-signo), somatório de todos os quali-signos de vermelho). Uma palavra, como tal é seu sin-signo.);

3) lei geral (LEGI-SIGNO é o signo que é uma lei. O vermelho como pare, na codificação visual das leis de trânsito, é um legi-signo. Contudo, inexiste legi-signo sem sin-signos prévios. O vermelho existe antes como sin-signo, antes de ser uma lei de trânsito.


B. Em relação ao seu Objecto, pode ser:


ÍCONE: (escala de correspondência: primeiridade, sintaxe, quali-signo, possibilidade). É um representamen que, em virtude de qualidades próprias, se qualifica em relação a um objecto, representando-o por traços de semelhança ou analogia, e de tal modo que novos aspectos, verdades ou propriedades relativos ao objecto podem ser descobertos ou revelados. Há ícones degenerados, representamens icónicos, que Peirce denomina hipo-ícones, classificando-os em três tipos: Imagens, Diagramas e Metáforas;

ÍNDICE: (escala de correspondência: secundidade, semântica, sin-signo, existente) – signo que se refere ao Objecto designado em virtude de ser realmente afectado por ele. Tendo alguma qualidade em comum com o objecto, envolve também uma espécie de ícone, mas é o fato de sua ligação directa com o objecto que o caracteriza como índice, e não os traços de semelhança. Há ícones degenerados, já convencionalizados: um nome próprio, um pronome pessoal;

SÍMBOLO: (escala de correspondência: terceiridade, nível pragmático, legi-signo, lei ou pensamento) – signo que se refere ao Objecto em virtude de uma convenção, lei ou associação geral de ideias. Actua por meio de réplicas. Implica ideia geral. Envolve um índice, embora de natureza peculiar, como foi observado acima a respeito do sin-signo. A palavra é o símbolo por excelência.


C. Em relação ao seu Interpretante, pode ser:

REMA: (escala de correspondência: primeiridade, sintaxe, quali-signo, ícone, possibilidade) – signo, para o seu interpretante, de uma possibilidade qualitativa; termo ou função proposicional que representa tal ou qual espécie de objecto possível, destituída da pretensão de ser realmente afectada pelo objecto ou lei à qual se refere;

DICI-SIGNO ou SIGNO DICENTE: (escala de correspondência: secundidade, semântica, sinsigno, índice, existente) – signo, para seu interpretante – de existência real. É uma proposição ou quase-proposição envolvendo um Rema;

ARGUMENTO: (escala de correspondência: terceiridade, nível pragmático, legi-signo, símbolo, lei) Signo – para seu interpretante – de uma lei, de um enunciado, de uma proposição-enquanto-signo. Ou seja, o objecto de um Argumento, para o seu interpretante, é representado em seu carácter de signo; esse objecto é uma lei geral ou tipo. Envolve um Dici-signo.

A DIVISÃO DO SIGNO PIERCIANO

OS SIGNOS PIERCIANOS PODEM SER DIVIDIDOS COM BASE:

A. Na natureza das coisas em que os signos aparecem e podem ser:


- Verbais: Quando as coisas em que eles aparecem são palavras ou construções delas decorrentes e podem ser de duas espécies: Verbais Orais e Verbais Escritos;

- Não-Verbais: Quando as coisas em que eles aparecem são fenómenos diferentes de palavras ou construções deles derivadas e podem ser de cinco diferentes espécies: Visuais, Auditivos, Táteis, Olfativos e Gustativos.


B. Na natureza da relação entre as coisas em que os signos aparecem e as coisas que eles representam e podem ser:


- Símbolos (signos simbólicos ou convencional-simbólico): Os signos são simbólicos quando a relação entre as coisas em que eles aparecem e as coisas que eles representam é de carácter convencional e, por conseguinte, baseado apenas num acordo entre os sujeitos comunicantes, no sentido de que isto, embora não tenha nada a ver com aquilo, deve ser aceito como a sua representação. É com base neste factor (a convenção) que o animal cão pode ser representado não apenas pela palavra cão, no idioma português, mas também pelas palavras perro, dog, hund etc., nos idiomas: espanhol, inglês e sueco, por exemplo.

- Ícone (signos icónicos ou qualitativo-icónico): Os signos são icónicos quando a relação entre as coisas em que eles aparecem e as coisas que eles representam é de carácter imitativo e, portanto, baseada não mais numa simples convenção, mas em dada semelhança entre os dois tipos de coisas, no sentido de que, se isto parece com aquilo, de modo que, percebendo-se isto, lembra-se imediatamente daquilo, então a primeira coisa pode ser tomada como representação da segunda coisa. É com este neste segundo factor (a semelhança entre os dois tipos de coisas) que a figura (referente ao desenho, à fotografia, à escultura etc.) do animal cão pode ser tomada como representação do próprio animal cão; as cores: vermelha, branca e azul (com as 10 estrelas amarelas), que aparecem na bandeira do nosso país, podem ser tomadas como representações das lutas, bem como do céu e mar límpido e iluminado e as 10 estrelas amarelas que representam as ilhas.

- Indícios (signos indiciais ou singular-indicativo): Os signos são indiciais quando a relação entre as coisas em que eles aparecem e as coisas que eles representam é de carácter não mais convencional, nem tampouco imitativo, mas associativo, no sentido de que, se isto costuma vir sempre associado (quer dizer, junto, conectado ou vinculado) àquilo, de maneira que, percebendo-se isto, lembra-se imediatamente daquilo, então a primeira coisa pode ser tomada como representação da segunda coisa. É com base neste factor (a associação) que, por exemplo, os rastros de um cavalo podem ser tomados como representação não só das patas do cavalo, mas também do próprio cavalo e, inclusive, do cavaleiro que, possivelmente, nele vai montado e, ainda, da direcção que ele tomou; as nuvens que aparecem no céu, tornando-se paulatinamente mais escuras, podem ser tomadas como representação da chuva que, possivelmente, irá cair; os sons que vêm de um bosque situado nas proximidades da estrada por onde vamos passando podem ser tomados como representações da cachoeira que, certamente, ali existe; o cheiro que vem dos fundos de uma casa, não muito distante do local por onde estamos transitando, pode ser tomado como representação do jantar que, sem dúvida, ali está sendo servido; o sabor do café que, quando estamos de visita a uma casa, nos é trazido da cozinha, pode ser tomado como representação da habilidade (ou inabilidade) da cozinheira, etc.


NOTA:

E já que a noção de não-verbal surge por oposição a verbal, podemos dizer que não-verbais são aqueles que, embora manifestos através de outros fenómenos, diferentes de palavras, o papel que desempenham é idêntico ao desempenhado pelas palavras. Logo, são também um meio de representação.

Num texto narrativo-literário, os Signos Verbais aparecem em dois diferentes planos, que são o da escritura, constituída de signos verbais grafo-visuais e o da narração, constituída de signos verbais fono-auditivos; os não-verbais aparecem num único plano, que é o do enredo, constituído de signos não-verbais figurativos ou imagéticos.

terça-feira, 4 de maio de 2010

FENOMENOLOGIA PIERCIANA - A Terceiridade

Por fim, chegamos à Terceiridade. Vejamos, com atenção, o que nos diz Santaella sobre isso:

Diante de qualquer fenómeno, isto é, para conhecer e compreender qualquer coisa, a consciência produz um signo, ou seja, um pensamento como mediação irrecusável entre nós e os fenómenos. E isto, já ao nível do que chamamos de percepção. Perceber não é senão traduzir um objecto de percepção em um julgamento de percepção, ou melhor, é interpor uma camada interpretativa entre a consciência e o que é percebido. Nessa medida, o simples acto de olhar já está carregado de interpretação, visto que é sempre o resultado de uma elaboração cognitiva, fruto de uma mediação sígnica que possibilita nossa orientação no espaço por um reconhecimento e assentimento diante das coisas que só o signo permite.

O homem só conhece o mundo porque, de alguma forma, o representa e só interpreta essa representação numa outra representação, que Peirce denomina interpretante da primeira. Daí que o signo seja uma coisa de cujo conhecimento depende do signo, isto é, aquilo que é representado pelo signo.(…) (Santaella, 1998:51,52)

"(…) Daí que, para nós, o signo seja um primeiro, o objecto um segundo e o interpretante um terceiro. Para conhecer e se conhecer o homem se faz signo e só interpreta esses signos traduzindo-os em outros signos.

Em síntese: compreender, interpretar é traduzir um pensamento em outro pensamento num movimento ininterrupto, pois só podemos pensar um pensamento em outro pensamento. É porque o signo está numa relação a três termos que sua acção pode ser bilateral: de um lado, representa o que está fora dele, seu objecto, e de outro lado, dirige-se para alguém em cuja mente se processará sua remessa para um outro signo ou pensamento onde seu sentido se traduz. E esse sentido, para ser interpretado tem de ser traduzido em outro signo e assim ad infinitum. O significado, portanto, é aquilo que se desloca e se esquiva incessantemente. O significado de um pensamento ou signo é um outro pensamento.

Por exemplo: para esclarecer o significado de qualquer palavra, temos que recorrer a uma outra palavra que, em alguns traços, possa substituir a anterior. Basta folhear um dicionário para que se veja como isto, de fato, é assim. (Santaella, 1998:52)
“Em primeiro lugar, esses três possíveis estados da mente não podem ser entendidos como dados estanques. Disse Peirce: “Nenhuma linha firme de demarcação pode ser desenhada entre diferentes estados integrais da mente, isto é, entre estados tais como sentimento, vontade e conhecimento. É claro que estamos activamente conhecendo em todos os nossos minutos de vigília e realmente sentindo também. Se não estamos sempre querendo, estamos pelo menos, a todo momento, com a consciência reagindo em relação ao mundo externo”.

Em suma: “o que em mim sente está pensando”, diria depois Fernando Pessoa. Em segundo lugar, a camada do pensamento interpretativo, pensamento sob auto-controle, é apenas a camada mais superficial, mais à tona da consciência. Essa camada, no entanto, pode, a qualquer momento, ser quase que fendida, subvertida pela existência dê uma mera qualidade de sentir ou pela invasão de um conflito: instâncias de um lampejo ou lapso de tempo que fissuram a remessa incessante de signo a Signo da racionalidade interpretadora. Tratam-se de instâncias, portanto, em que a abstracção cognitiva é quase fendida e a consciência encontra um ponto tangencial em que é corpo do mundo e no mundo, instante indiscernível e intraduzível de maior proximidade física e viva da consciência com o fenómeno apreendido. Nessa medida, para nós tudo é signo, qualquer coisa que produz na consciência tem o carácter de signo. No entanto, Peirce leva a noção de signo tão longe a ponto de que um signo não tenha necessariamente de ser uma representação mental, mas pode ser uma acção ou experiência, ou mesmo uma mera qualidade de impressão. (Santaella, 1998:53)


RESUMO FENOMENOLOGIA:

Retomando, resumidamente e de maneira simplificadora, podemos dizer que a Primeiridade é tudo que está presente à consciência num determinado instante e é composta de todo aspecto de qualidade vivenciado neste determinado momento. O primeiro é espontâneo e imediato, original e livre. A Secundidade é a reflexão envolvida nesse processo, quando surgem as referências que permitirão inferências que levarão a um terceiro. Por fim, a Terceiridade é o que se segue ao sentimento e ao conflito, à resistência. É a “camada da inteligibilidade”.

Portanto, vimos que 3 elementos constituem todas as experiências. Eles são: as categorias universais do pensamento e da natureza. Primeiridade é a categoria que dá à experiência sua qualidade distintiva, seu frescor, originalidade irrepetível e liberdade. Não a liberdade em relação a uma determinação física, pois que isso seria uma proposição metafísica, mas liberdade em relação a qualquer elemento segundo. O azul de um certo céu, sem o céu, a mera e simples qualidade do azul, que poderia também estar nos seus olhos, só o azul, é aquilo que é tal qual é, independente de qualquer outra coisa. Mas, ao mesmo tempo, primeiridade é um componente do segundo. Secundidade é aquilo que dá à experiência seu carácter factual, de luta e confronto. Acção e reacção ainda em nível de binariedade pura, sem o governo da camada mediadora da intencionalidade, razão ou lei. Finalmente, Terceiridade, que aproxima um primeiro e um segundo numa síntese intelectual, corresponde à camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos, através da qual representamos e interpretamos o mundo. Por exemplo: o azul, simples e positivo azul, é um primeiro. O céu, como lugar e tempo, aqui e agora, onde se encarna o azul, é um segundo. A síntese intelectual, elaboração cognitiva — o azul no céu, ou o azul do céu —, é um terceiro. (Santaella, 1998:51)

FENOMENOLOGIA PIERCIANA - A Secundidade

Vejamos agora o que nos diz a segunda categoria:

Ao contrário da Primeiridade e seu carácter de sentimento, que envolve um espécie de brumas, a Secundidade é a categoria do conflito. Já não há mais a bruma, que nos impede de desnudar o fenómeno ao qual nos deparamos. Na secundidade, há algo que se impõe, que resiste.


Vejamos o que Lucia Sataella nos diz, em “O que é Semiótica” (1998):

"Há um mundo real, reactivo, um mundo sensual, independente do pensamento e, no entanto, pensável, que se caracteriza pela Secundidade. Esta é a categoria que a aspereza e o revirar da vida tornam mais familiarmente proeminente. É a arena da existência quotidiana. Estamos continuamente esbarrando em factos que nos são externos, tropeçando em obstáculos, coisas reais, factivas que não cedem ao mero sabor de nossas fantasias. (Santaella, 1998:47)"

Certamente, onde quer que haja um fenómeno, há uma qualidade, isto é, sua primeiridade. Mas a qualidade é apenas uma parte do fenómeno, visto que, para existir, a qualidade tem de estar encarnada numa matéria. A factualidade do existir (secundidade) está nessa corporificação material. A qualidade de sentimento não é sentida como resistindo num objecto material. É puro sentir, antes de ser percebido como existindo num eu. Por isso, meras qualidades não resistem, são frágeis. É a matéria que resiste. Por conseguinte, qualquer sensação já é secundidade: acção de um sentimento sobre nós e nossa reacção específica, comoção do eu para com o estímulo. (Santaella, 1998:48)

“Quando qualquer coisa, por mais fraca e habitual que seja, atinge os nossos sentidos, a excitação exterior produz os seus efeitos em nós. Tendemos a minimizar esse efeito porque a ele é, no mais das vezes, indiscernível. É o nosso estar como que natural no mundo, corpos vivos, energia palpitante que recebe e responde. No entanto, quaisquer excitações, mesmo as viscerais ou interiores, imagens mentais e sentimentos ou impressões, sempre produzem alguma reacção, conflito entre esforço e resistência. Segue-se que em toda experiência, quer seja de objectos interiores ou exteriores, há sempre elemento de reacção ou segundo, anterior à mediação do pensamento articulado e subsequente ao puro sentir. (Santaella, 1998:50).


Esse “elemento de reacção” faz parte da secundidade. É a secundidade que nos leva da primeiridadae à terceiridade. Como explica Peirce:

"2) Conflito. A segunda categoria (universal) é “Conflito”. Imagina-se que uma pessoa faz um grande esforço muscular lançando-se com todo-ser o seu peso contra uma porta entreaberta. Obviamente existe aqui um sentido de resistência. Não há esforço sem resistência equivalente, e a resistência implica o esforço ao qual resiste. Acção e reacção são equivalentes (…) Em geral chamamos agente à pessoa cujo esforço é bem sucedido, e à que falha paciente. Mas no que diz respeito ao elemento-Conflito não há diferença entre ser agente e paciente(…)

Exemplos:
Uma pessoa caminha tranquilamente pelo passeio e um homem carregando uma escada na mão dá-lhe uma tremenda pancada na cabeça. A impressão que a pessoa tem é que o homem bateu com a maior força e que ela não ofereceu a mínima resistência, embora de facto tenha resistido como uma força igual ao golpe (…) Assim acontece quando alguma coisa atinge os sentidos. A excitação produz o seu efeito e nós causamos-lhe de volta um efeito indiscernível; e passamos a chamar á excitação agente e vemo-nos como o paciente.

Por outro lado, ao ler uma demonstração geométrica, se a pessoa desenha uma figura na sua imaginação e não no papel, é tão fácil acrescentar-lhe a linha que falta que ela pode até pensar que só mexeu na imagem sem que esta lhe tenha oferecido qualquer resistência. Mas pode mostrar-se facilmente que não é assim. Pois a menos que a imagem possua um certo poder de persistir e resistir à metamorfose e que a pessoa seja sensível à sua força, nunca se poderá ter certeza de que a construção laborada num certo estágio da demonstração é a mesma de um estágio anterior. A distinção geral entre Mundo Interior e Exterior reside no facto de que os objectos interiores submetem-se prontamente às modificações que desejamos e os exteriores são factos difíceis, ninguém pode fazer nada com eles. Tremenda como é, esta distinção acaba por ser afinal bem relativa. Os objectos interiores oferecem de facto uma certa resistência e os exteriores são susceptíveis de serem modificados de algum modo através de esforço inteligente.”