terça-feira, 18 de maio de 2010

AS DICOTOMIAS SAUSSUREANAS

Ferdinand Saussure amplia o horizonte dos estudos linguísticos e mostra que cabe à Linguística ir além do mero estudo dos signos e assim ele estabelece as suas dicotomias que vamos ver a seguir:

I. Semiologia/Linguística;
II. Signo: Significado/Significante;
III. Arbitrariedade/Linearidade;
IV. Linguagem: Língua/Fala;
V. Sincronia/Diacronia;
VI. Sintagma/Paradigma.


I – SEMIOLOGIA/LINGUÍSTICA

A Semiologia é a teoria geral dos signos, em que consistem e as leis que os regem. Portanto, difere da Linguística por um alcance maior; a Linguística não é senão uma parte dessa ciência geral. Enquanto a Linguística limita-se ao estudo científico da linguagem humana, a Semiologia preocupa-se não apenas com essa linguagem, mas também com a dos animais e de todo e qualquer sistema de comunicação, seja natural ou convencional.

Assim exposto poder-se-á entender que a Semiologia contém a Linguística. No entanto, se formos investigar, as teorias de Saussure, poderemos encontrar que Saussure considera a soberania da Linguística sobre a Semiologia, num certo aspecto. É que, pelo facto de Saussure não ter tido conhecimento das teorias que já haviam sido divulgadas de Platão a Pierce, ele deduziu que ainda não haviam sido desenvolvidas as bases da ciência que estuda os signos que precisava ser criada. Ele pensou que a Linguística, como já estava bem desenvolvida, poderia servir de apoio para a criação dessa nova ciência, a qual ele designou Semiologia. Daí, a ideia defendida por ele, de que a Linguística, neste aspecto, é soberana à Semiologia.

Obs.: Há dois termos: Semiologia (surge na Europa, com Saussure) e Semiótica (nos Estados Unidos, com Peirce). Mas como vos disse durante as aulas, podem utilizar tanto a Semiologia quanto a Semiótica para designarem a ciência dos signos.


II. SIGNO: SIGNIFICADO/SIGNIFICANTE

O signo linguístico para Saussure é a união do conceito com a imagem acústica. O conceito (ou ideia) é a representação mental de um objecto ou da realidade social em que nos situamos, representação essa condicionada pela formação sócio-cultural que nos cerca desde o berço. Noutras palavras, para Saussure, conceito é sinónimo de significado (plano das ideias), algo como o lado espiritual da palavra, sua contra-parte inteligível, em oposição ao significante (plano da expressão), que é sua parte sensível.

Por outro lado, a imagem acústica não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som. Melhor dizendo, a imagem acústica é o significante. Com isso, temos que o signo linguístico é uma entidade psíquica de duas faces que estão intimamente unidas e uma reclama a outro. Não há significado sem significante.

Exemplificando, quando alguém recebe a impressão psíquica transmitida pela imagem acústica (ou significante) /kδpw/ graças à qual se manifesta fonicamente o signo copo, essa imagem acústica, de imediato, evoca-lhe psiquicamente a ideia de recipiente utilizado para beber algo. Poderíamos dizer que aquilo que o falante associa com o significante /kδpw/ corresponderia ao significado Vaso (em espanhol), Glas (em alemão) ou Glass (em inglês).


III. ARBITRARIEDADE/LINEARIDADE

O signo linguístico (como já vimos no post anterior), é arbitrário, quer dizer que o significado não depende da livre escolha de quem fala, logo o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade. Desse modo, compreendemos porque é que Saussure afirma que a ideia (ou conceito ou significado) de mar não tem nenhuma relação necessária e “interior” com a sequência de sons, ou imagem acústica ou significante /mar/. Em outras palavras, o significado mar poderia ser representado perfeitamente por qualquer outro significante, daí as diferenças entre as línguas: Mar em inglês é Sea, em francês, Mer, em alemão See.

O princípio da linearidade que se aplica às unidades do plano da expressão (fonemas, sílabas, palavras), por serem estas emitidas em ordem linear ou sucessiva na cadeia da fala, sendo o princípio das relações sintagmáticas (que vamos ver mais a frente). Aqui, é importante perceber eu os significantes acústicos, as palavras, formam uma cadeia com uma ordem linear específica. O Significante, porque é de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo e ao tempo vai buscar as suas características: representa uma extensão e essa extensão é mensurável numa só dimensão. É uma linha, ou seja, o Significante existe no espaço e na circunstância e tem uma duração – começa e acaba. O discurso reproduz-se na nossa própria existência.
Os elementos dos significantes acústicos – fonemas, sílabas, palavras – apresentam-se uns após os outros, tal como podemos comprovar facilmente pela escrita, onde a linha espacial dos sinais gráficos substitui a sucessão no tempo. Todos assumem lógica quando proferidos porque apresentam essa mesma ordem, que sugere um sentido compreendido inconscientemente pelo nosso conhecimento de uma determinada língua.


IV. LINGUAGEM: LÍNGUA/FALA

Dicotomia fundamentada na oposição social/individual. Saussure afirma que a linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro, além disso implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma instituição actual e um produto do passado.

A língua, sendo um produto social da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adoptadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos, existe na colectividade sob a forma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário, cujos exemplares todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Na condição de bem comum, a língua traz consigo toda a experiência histórica acumulada por um povo durante sua existência. E aí residem as particularidades de cada uma, cujas expressões somente podem ser compreendidas pelos seus falantes nativos, além das dificuldades para se traduzirem certas expressões que lhe são próprias. Saussure ainda nos ilustra que, se fosse possível abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas em todos os indivíduos, atingiríamos o liame/a ligação social que constitui a língua, afinal ela não está completa em ninguém, é só na massa que ela existe de modo completo. Dessa forma, mesmo estando internamente armazenada, o indivíduo por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão em virtude de uma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade, afinal a língua é a parte social da linguagem, logo exterior ao indivíduo.

A fala, ao contrário da língua, por se constituir de actos individuais, torna-se múltipla, imprevisível, irredutível a uma pauta sistemática. Os actos linguísticos individuais são ilimitados, não formando um sistema. Os factos linguísticos sociais, bem diferentemente, formam um sistema, pela sua própria natureza homogénea. Vale ressaltar, no entanto, que tanto o funcionamento quanto a exploração da faculdade da linguagem, estão intimamente ligados às implicações mútuas existentes entre os elementos língua (virtualidade) e fala (realidade).


NOTA: A fala é individual e se efectiva no momento em que o falante a concretiza se expressando através da língua. Comporta muitas variantes, dialectos e idiolectos. Estes, porém, não alteram a língua, que é um sistema social, independente dos indivíduos.


V. SINCRONIA/DIACRONIA

Para entendê-la, nada melhor que remontar a origem dessas palavras. Ambos os termos são gregos, sendo sincronia construído de syn "juntamente" e chrónos "tempo", significando "ao mesmo tempo", enquanto em diacronia parte-se de dia "através" e chrónos "tempo", significando "através do tempo".

Ora, a linguística diacrónica estudaria, pois, a língua e suas variações histórico-temporais, enquanto a linguística sincrónica estuda a língua em um certo momento, sem importar a sua evolução temporal. Não importa para a sincronia, por exemplo, que "caligrafia" tenha significado, em um certo tempo, "escrita bela", pois que, ao contrário da diacronia, aquela se preocupa com a língua isolada do seu processo de mudanças históricas.

Saussure, portanto, considera sincronia o eixo das simultaneidades, no qual devem ser estudadas as relações entre os factos existentes ao mesmo tempo num determinado momento do sistema linguístico, que pode ser tanto no presente quanto no passado. Noutras palavras, sincronia é sinónimo de descrição, de estudo do funcionamento da língua.

Por outro lado, no eixo das sucessividades ou diacronia, o linguista tem por objecto de estudo a relação entre um determinado facto e outros anteriores ou posteriores, que o precederam ou lhe sucederam. E Saussure adverte que tais factos (diacrónicos) "não têm relação alguma com os sistemas, apesar de os condicionarem". Em outras palavras, o funcionamento sincrónico da língua pode conviver harmoniosamente com seus condicionamentos diacrónicos.


Acrescente-se ainda que a diacronia divide-se em:


História Externa (estudo das relações existentes entre os factores sócio-culturais e a evolução linguística); e

História Interna (trata da evolução estrutural – fonológica e morfossintáctica – da língua).


VI. SINTAGMA/PARADIGMA

As relações associativas/combinatórias são sintagmáticas. As relações de coisas que podem ocupar o mesmo lugar, que são relações de escolha, são paradigmáticas.

É facilmente entendível com alguns exemplos. Vejam um exemplo semelhante ao que vos dei na aula:

Usou o martelo pesado.
Levei esse prego enferrujado.
Roubaram aquela perfuradora grande.
Estragaste este alicate vermelho

Relações Paradigmáticas: "usou", em opção a "levei, roubaram, estragaste"; "o" em opção a "esse, aquela, este"; "martelo", em opção a "prego, perfuradora, alicate" e "vermelho" em opção a "pesado, enferrujado, grande, vermelho".

Relações Sintagmáticas: "Usou o martelo pesado.", em opção a "Usou o pesado martelo" ou "martelo pesado o usou".

Toda a frase, segundo essa dicotomia – não apenas frases, mas também palavras e até signos extra-linguísticos –, possui dois eixos: um de selecção (Paradigma) e outro de combinação (Sintagma).

Na frase "Eu comprei um carro novo", há possibilidades combinatórias claras, tais como "Um carro novo eu comprei" (mudança de ordem das palavras – tem a ver com a linearidade, vista anteriormente) ou outras, como ao acrescentarmos novos termos (paradigmas) à oração. Também há quase inumeráveis possibilidades selectivas, tais como: "eu / ele / tu / João / Dina - comprou / vendeu / roubou / explodiu - um / dois / três / muitos - carros / foguetes / camiões - novos / velhos / antigos / raros". O eixo de selecção proposto pela relação paradigmática, corresponde às palavras que podem ocupar determinado ponto numa sentença/frase.

5 comentários:

  1. ótimo texto,vai me ajudar muito .obrigado.

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    1. Esse texto é ótimo, me ajudou a esclarecer minhas dúvidas.

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  2. Obrigada ! Embora seria muito útil ter exemplos para a dicotomia Arbitrariedade / Linearidade, fico muito grata !

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  3. Esse Texto nos ajuda a entender um pouco do principio linguístico da dicotomia; fonológica e morfossintatica... obrigado(a).

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  4. Muito obrigado, sou falante de espanhol aprendendo portugues e fazendo letras, ajudou-me muito teu texto , muito claro e conciso

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