terça-feira, 4 de maio de 2010

FENOMENOLOGIA PIERCIANA - A Secundidade

Vejamos agora o que nos diz a segunda categoria:

Ao contrário da Primeiridade e seu carácter de sentimento, que envolve um espécie de brumas, a Secundidade é a categoria do conflito. Já não há mais a bruma, que nos impede de desnudar o fenómeno ao qual nos deparamos. Na secundidade, há algo que se impõe, que resiste.


Vejamos o que Lucia Sataella nos diz, em “O que é Semiótica” (1998):

"Há um mundo real, reactivo, um mundo sensual, independente do pensamento e, no entanto, pensável, que se caracteriza pela Secundidade. Esta é a categoria que a aspereza e o revirar da vida tornam mais familiarmente proeminente. É a arena da existência quotidiana. Estamos continuamente esbarrando em factos que nos são externos, tropeçando em obstáculos, coisas reais, factivas que não cedem ao mero sabor de nossas fantasias. (Santaella, 1998:47)"

Certamente, onde quer que haja um fenómeno, há uma qualidade, isto é, sua primeiridade. Mas a qualidade é apenas uma parte do fenómeno, visto que, para existir, a qualidade tem de estar encarnada numa matéria. A factualidade do existir (secundidade) está nessa corporificação material. A qualidade de sentimento não é sentida como resistindo num objecto material. É puro sentir, antes de ser percebido como existindo num eu. Por isso, meras qualidades não resistem, são frágeis. É a matéria que resiste. Por conseguinte, qualquer sensação já é secundidade: acção de um sentimento sobre nós e nossa reacção específica, comoção do eu para com o estímulo. (Santaella, 1998:48)

“Quando qualquer coisa, por mais fraca e habitual que seja, atinge os nossos sentidos, a excitação exterior produz os seus efeitos em nós. Tendemos a minimizar esse efeito porque a ele é, no mais das vezes, indiscernível. É o nosso estar como que natural no mundo, corpos vivos, energia palpitante que recebe e responde. No entanto, quaisquer excitações, mesmo as viscerais ou interiores, imagens mentais e sentimentos ou impressões, sempre produzem alguma reacção, conflito entre esforço e resistência. Segue-se que em toda experiência, quer seja de objectos interiores ou exteriores, há sempre elemento de reacção ou segundo, anterior à mediação do pensamento articulado e subsequente ao puro sentir. (Santaella, 1998:50).


Esse “elemento de reacção” faz parte da secundidade. É a secundidade que nos leva da primeiridadae à terceiridade. Como explica Peirce:

"2) Conflito. A segunda categoria (universal) é “Conflito”. Imagina-se que uma pessoa faz um grande esforço muscular lançando-se com todo-ser o seu peso contra uma porta entreaberta. Obviamente existe aqui um sentido de resistência. Não há esforço sem resistência equivalente, e a resistência implica o esforço ao qual resiste. Acção e reacção são equivalentes (…) Em geral chamamos agente à pessoa cujo esforço é bem sucedido, e à que falha paciente. Mas no que diz respeito ao elemento-Conflito não há diferença entre ser agente e paciente(…)

Exemplos:
Uma pessoa caminha tranquilamente pelo passeio e um homem carregando uma escada na mão dá-lhe uma tremenda pancada na cabeça. A impressão que a pessoa tem é que o homem bateu com a maior força e que ela não ofereceu a mínima resistência, embora de facto tenha resistido como uma força igual ao golpe (…) Assim acontece quando alguma coisa atinge os sentidos. A excitação produz o seu efeito e nós causamos-lhe de volta um efeito indiscernível; e passamos a chamar á excitação agente e vemo-nos como o paciente.

Por outro lado, ao ler uma demonstração geométrica, se a pessoa desenha uma figura na sua imaginação e não no papel, é tão fácil acrescentar-lhe a linha que falta que ela pode até pensar que só mexeu na imagem sem que esta lhe tenha oferecido qualquer resistência. Mas pode mostrar-se facilmente que não é assim. Pois a menos que a imagem possua um certo poder de persistir e resistir à metamorfose e que a pessoa seja sensível à sua força, nunca se poderá ter certeza de que a construção laborada num certo estágio da demonstração é a mesma de um estágio anterior. A distinção geral entre Mundo Interior e Exterior reside no facto de que os objectos interiores submetem-se prontamente às modificações que desejamos e os exteriores são factos difíceis, ninguém pode fazer nada com eles. Tremenda como é, esta distinção acaba por ser afinal bem relativa. Os objectos interiores oferecem de facto uma certa resistência e os exteriores são susceptíveis de serem modificados de algum modo através de esforço inteligente.”

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