terça-feira, 4 de maio de 2010

FENOMENOLOGIA PIERCIANA - A Primeiridade

Olá pessoal,

Comecemos observando uma citação de Lúcia Santaella:

“As linguagens estão no mundo e nós estamos na linguagem, a Semiótica é a ciência que tem por objecto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objectivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenómeno como fenómeno de produção de significação e de sentido.” (Santaella, 1983: 13)

Como vimos na aula, é preciso, para entender a Semiótica, abrir os olhos para o mundo, criticamente, como diz Santaella, entender o mundo como linguagem.
Ora, como disse Pierce, “a fenomenologia ou doutrina das categorias tem por função desenredar a emaranhada meada daquilo que, em qualquer sentido, aparece, ou seja, fazer a análise de todas as experiências é a primeira tarefa. Termos a habilidade de agarrar nuvens, vastas e intangíveis, organiza-las em disposição ordenada, recoloca-las em processo”.

Trata-se, portanto, de um estudo que, suportado pela observação directa dos fenómenos, discrimina diferenças nesses fenómenos e generaliza essas observações a ponto de ser capaz de sinalizar algumas classes de caracteres muito vastas, as mais universais presentes em todas as coisas que a nós se apresentam. Assim, nessa medida, são três as faculdades que devemos desenvolver para essa tarefa:

1) A capacidade contemplativa, isto é, abrir as janelas do espírito e ver o que está diante dos olhos;

2) Saber distinguir, discriminar resolutamente diferenças nessas observações;

3) Ser capaz de generalizar, de racionalizar as observações em classes ou categorias abrangentes.


Muitos anos de estudo de Pierce vieram a revelar as suas três categorias universais de toda experiência e todo pensamento: AS CATEGORIAS FENOMENOLÓGICAS DE PEIRCE. Considerando experiência tudo aquilo que se força sobre nós, impondo-se ao nosso reconhecimento e não confundindo pensamento com pensamento racional (deliberado e auto-controlado), pois este é apenas um dentre os casos possíveis de pensamento, Peirce conclui que tudo que aparece à consciência, assim o faz numa gradação de três propriedades que correspondem aos três elementos formais de toda e qualquer experiência. Em 1867, essas categorias foram denominadas:
1) Qualidade;
2) Relação; e
3) Representação.


Algum tempo depois, o termo Relação foi substituído por Reacção e o termo Representação recebeu a denominação mais ampla de Mediação. Mas, para fins científicos, Peirce preferiu fixar-se na terminologia de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, por serem palavras inteiramente novas, livres de falsas associações a quaisquer termos já existentes.

“Parece, então que as verdadeiras categorias da consciência são: primeira, sentimento, a consciência que pode ser incluída com um instante de tempo, consciência passiva de qualidade, sem reconhecimento ou análise; segunda consciência de interrupção no campo da consciência, sentido de resistência, de um fato externo, de alguma outra coisa; terceira, consciência sintética, ligação com o tempo, sentido de aprendizagem, pensamento” (CP 1377).


Ora, vejamos, cada uma delas:

PRIMEIRIDADE [Santaella (1983: 43,44) nos diz)]:

“Se fosse possível parar, para examinar, num determinado instante, do que consiste o todo de uma consciência, qualquer consciência, a minha ou a tua, isto é, do que consiste esse labiríntico “lago sem fundo”, num instante qualquer em que é o que é, por que é tudo ao mesmo tempo, repito, se fosse possível parar essa consciência no instante presente, ela não seria senão “presentidade” como está presente.

Trata-se, pois, de uma consciência imediata tal qual é. Nenhuma outra coisa senão pura qualidade de ser e de sentir. A qualidade da consciência imediata é uma impressão (sentimento) in totum, indivisível, não analisável, inocente e frágil.

Tudo que está imediatamente presente à consciência de alguém é tudo aquilo que está na sua mente no instante presente. Nossa vida inteira está no presente. Mas, quando perguntamos sobre o que está lá, nossa pergunta vem sempre muito tarde. O presente já se foi, e o que permanece dele já está grandemente transformado, visto que então nos encontramos em outro presente e se pararmos, outra vez, para pensar nele, ele também já terá voado, desvanecido e se transmutado num outro presente.

O sentimento como qualidade é, portanto, aquilo que dá sabor, tom, matiz à nossa consciência imediata, mas é também paradoxalmente justo aquilo que se oculta ao nosso pensamento, porque para pensar precisamos nos deslocar no tempo, deslocamento que nos coloca fora do sentimento mesmo que tentamos capturar. A qualidade da consciência, na sua imediaticidade, é tão tenra que não podemos sequer toca-la sem estraga-la.” (Santaella, 1983: 43,44).

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